14 abril 2013

Dia Z PARTE 2


Já tinha anoitecido quando cheguei na casa dela. Sua rua estava solitária e completamente as escuras. Um caminhão dos bombeiros havia se acidentado com um dos postes e o derrubado contra outros carros estacionados. Eu não conseguia enxergar muita coisa. A penumbra era penetrada de segundo em segundo, apenas pelo piscar das sirenes que continuaram ligadas. O formato de corpos caídos podiam ser vistos próximos ao acidente. Alguns deles em baixo dos enormes pneus. Havia um cheiro forte de sangue, a rua Grove cheirava a morte. Acho que nunca tive tanto medo. O frio na minha barriga era grande e continuava aumentando a cada gemido que eu ouvia; gemidos distantes, mas que as vezes pareciam próximos demais. ''Deus por favor, que ela esteja viva.'' Levantei-me de trás da cerca e corri na direção da porta de entrada, mas derrapei os pés e voltei imediatamente assim que percebi sombras que se aproximavam. Pela maneira como se moviam, não havia dúvidas, eram mais deles. Voltei para onde eu estava abaixado e fiquei esperando, torcendo para que não tivessem me visto. Um grupo de seis deles apareceu, sem rumo. Alguns tiros foram disparados em algum lugar perto e seja lá quem o tenha feito, acabou deixando aquele grupo inquieto. Dois deles começaram a se mover na minha direção. ''Merda, preciso fazer alguma coisa!'' Peguei uma pedra, sem saber exatamente oque fazer com ela. Pensei em atira-la para distrai-los, mas não iria adiantar. Droga! Me virei e comecei a fazer a volta na casa, procurando outro meio de entrar. Aquelas janelas laterais eram muito altas e estavam fechadas, minha ultima alternativa seria a porta dos fundos. Chegando lá atrás, ouvi um gemido próximo; fiquei atento para tentar descobrir de onde vinha. Alguma coisa se arrastava na grama, mas estava escuro demais para ver oque era(eu sabia oque era). Tirando isso não havia mais movimento algum, então avancei - com os olhos atentos naquele zumbi que se arrastava. Subi os pequenos degraus e cheguei na porta dos fundos; os danos na maçaneta e dobradiças indicavam arrombamento. ''Mas que merda, alguém deve ter invadido!'' A casa estava timidamente iluminada pelas luzes de emergência. Entrei devagar e vi sangue no chão, que começava com respingos pequenos e em seguida virava um rastro. Dei uma espiada cuidadosa em todos os cômodos. Estavam vazios. Resolvi seguir aquele rastro, mas antes passei na cozinha e peguei a maior faca que encontrei. O sangue continuava por baixo da porta do quarto dela. ''Por favor...'' Fechei os olhos por um segundo, desejando não encontra-la morta. Segurei a faca com firmeza, em posição de ataque, e girei lentamente a maçaneta. Quando abri, vi um homem no chão, exatamente onde o rastro de sangue terminava; ele estava caído de barriga para cima e uma poça de sangue se formava em suas costas. Seu tórax apresentava ferimentos a bala. Chamei baixo pelo nome da minha amiga, mas não houve respostas, então virei-me para sair. Ao virar, dei de cara com um revolver apontado diretamente pra mim e do outro lado da arma estava ela, assustada. Ela baixou a arma e me abraçou com força. Abracei-a de volta e prometi que tudo ficaria bem agora.



Com a voz falha, ela contou que algumas pessoas tentaram invadir sua casa assim que o caos tomou conta. Ela então pegou o revolver que havia ganho de seu irmão e os ameaçou, precisando atirar em um deles quando este partiu furioso em sua direção. Suas mãos tremiam e sua íris azulada movia-se em todas as direções. Não falei nada, apenas segurei suas mãos e tentei acalma-la, mas de repente ela soltou um grito. O maldito começou a se arrastar. Levantei imediatamente e, como que por instinto, cravei a faca na lateral de sua cabeça. Pude sentir ela deslizando dentro do crânio. Aquilo durou apenas um segundo, e era a primeira vez que eu observava um deles assim tão de perto. Suas pupilas estavam completamente dilatadas, e sua íris era tão branca e rasa que mal podia ser percebida. Seus globos oculares sangravam, e veias e vasos sanguíneos estavam dilatados ao redor das pálpebras, contrastando com a pele pálida. Aquela também era a primeira vez que eu matava alguma coisa. Aquela visão pareceu durar apenas um segundo, mas tenho certeza de que jamais me esqueceria dela. Afastei-me do corpo, olhando pra faca ensanguentada, e depois pra minha amiga, que parecia tão chocada quanto eu. - Você esta bem? - perguntou ela, preocupada.

Olhei para ela sem responder. Eu não estava muito bem; precisava de um minuto pra respirar. Matar uma coisa dessas sabendo que ela havia sido humana a poucas horas atrás... Não é tão fácil quanto parece... Mas eu enfrentaria qualquer coisa para protege-la... - Eu estou bem. - respondi, finalmente.

Tiros chamaram nossa atenção, muitos tiros. Alguém estava combatendo os zumbis - a policia talvez. Saímos do quarto e ouvimos passos pela casa, passos lentos. Fiz um sinal com a mão pra ela ficar atrás de mim e ela me entregou seu revolver. Me escorei na parede e apontei a arma com firmeza, então seguimos pelo corredor. Quando chegamos na sala, encontramos um homem sentado, com a cabeça baixa - parecia ser médico, pela roupa que usava. Eu não sabia se atirava ou não, até que ele ergueu os olhos na nossa direção e pediu ajuda. Me aproximei com a arma apontada para ele; o cara estava ferido na mão e não estava nada bem. Ele caiu no sofá, gemendo de dor, pedindo água. Ignorei seu pedido e perguntei sobre a ferida na mão. Minha amiga trouxe um copo de água e entregou a ele. O homem a bebeu imediatamente e pareceu um pouco melhor. Ele então me olhou e disse havia sido mordido. Falei que ele não podia ficar ali conosco, caso contrário eu teria que mata-lo. Eu sabia oque acontecia quando uma pessoa era exposta a esse tipo de ferimento; mas ele implorou pra que não o fizesse. Minha amiga também interveio, pedindo para que eu não atirasse. Ela sentou ao lado dele e perguntou seu nome. Ele disse que se chamava William. Depois de uma breve conversa, William informou ser um cientista e nos contou que houve um acidente com um dos caminhões do laboratório. Amostras de um vírus que estava sendo estudado acabaram vazando e infectando pessoas e animais próximos. As pessoas infectadas adoeceram e poucas horas depois começaram a virar esses ''monstros'', disse ele. Ele estava envolvido no projeto e acabou sendo mordido quando tentava desesperadamente ir de um laboratório a outro. Perguntei oque havia no outro laboratório. Ele disse que várias vacinas anti-virais haviam sido desenvolvidas durante experimentos, e algumas delas se mostraram eficazes. Mas o organismo infectado tem um curto prazo para usa-la, pois, mesmo o vírus atingindo seu ápice apenas oito horas após a infecção, a vacina anti-viral só surte efeito no organismo caso seja aplicada em no máximo três horas. O laboratório para onde ele tentava ir continha várias amostras dessa vacina.

O doutor levantou-se com dificuldade, olhou para nós, e praticamente implorou para que o ajudássemos. Eu olhei pra minha amiga, ela não sabia oque fazer e estava esperando que eu tomasse alguma decisão. A princípio neguei, pois pensei na minha amiga. Eu não queria colocar ela em risco. Essa merda toda não era um maldito sonho, estava mesmo acontecendo. As ruas cheiravam a morte. Mas ela interveio e disse que precisávamos ajudar ele, que não podíamos simplesmente deixar ele morrer.

- Eu não acho que seja uma boa ideia. A gente devia devia se trancar aqui, esperar amanhecer e... - fui interrompido.
- Se não quiserem me ajudar, eu entendo, entendo mesmo. - disse ele, quase sem forças.
- Quanto tempo faz desde que você foi mordido? - perguntei a ele.
- Eu não sei ao certo, só sei que meu tempo está acabando. - respondeu, em meio a tossidas.

Voltei a olhar pra ela. Seus olhos demonstravam uma enorme preocupação, mesmo aquele cara sendo um desconhecido. Mesmo ele, de certa forma, sendo um dos responsáveis por toda aquela merda. Chequei o pente da arma e disse que iriamos ajuda-lo. A clinica não era longe, ficava a apenas dois quarteirões de onde a gente tava, em uma farmácia que, pelo jeito, servia apenas de fachada para outros tipos de serviços. Quem diria... acho que até já comprei alguma coisa lá. ''Muito bem, acho que podemos...'' Mais tiros surgiram la fora, em meio a gritos. Caminhei até a janela e espiei pela cortina oque estava acontecendo. Um grupo de pessoas estava dando conta dos zumbis na ruas. Eles estavam muito bem armados e pareciam se divertir com aquilo. Com certeza não podíamos confiar neles. Onde diabos estavam os policiais!? Minha amiga veio até mim e tocou meu ombro. Ela estava chorando, havia algo de errado com ela. Coloquei a mão em seu rosto, ele estava febril. ''Não, não...'' Peguei seu braço e vi que haviam vários arranhões mais ou menos na altura do cotovelo. William olhou-me assim que percebeu, e eu fiquei encarando-o fixamente, com tanta raiva que quase meti uma bala na cabeça dele ali mesmo. Aquilo tudo era culpa daquele desgraçado e das malditas pessoas com quem ele trabalhava! Mas esse não era o momento para perder a calma, pois agora precisávamos ir até aquele laboratório o mais rápido possível!

Saímos pela porta dos fundos. William tinha uma arma, disse que havia pego de um policial morto na rua. Aquilo ficou mal contado, mas tudo bem, não tínhamos escolha a não ser confiar no cara. Liderei a pequena caminhada até a clinica, tendo que carregar minha amiga no final do caminho, pois ela começou a piorar, e a tossir sangue. Como o vírus está agindo tão rápido nela? São apenas alguns arranhões! William disse que a infecção varia de pessoa para pessoa. Algumas levam até 24 horas para entrar em óbito. Desgraçado, apenas cale a boca. Soltei minha amiga um instante para matar um zumbi que estava próximo a entrada da farmácia. Usei a faca para evitar barulhos e então voltei para buscar ela. O doutor se aproximou, tirou um molho de chaves do bolso e abriu a porta. Entramos.

Era uma farmácia igual a todas as outras, com exceção do elevador escondido atrás de uma estante de livros em uma salinha(por que sempre atrás de uma estante de livros?). No painel haviam apenas dois andares inferiores, B1 e B2. Ele clicou no B2 e descemos. Durante a descida, fiz algumas perguntas e ele nos disse que a instalação era supervisionada por uma empresa maior, da qual ele não estava autorizado a falar. Era melhor não envolver civis comuns, disse ele. Porcaria, como se não estivéssemos envolvidos o suficiente já. Quando a porta do elevador abriu, nos deparamos com um enorme corredor metálico. Estava bem escuro e as luzes foram acendendo a medida em que avançamos. Alguns corpos - provavelmente de outros cientistas - acompanhavam a extensão do corredor. Estavam todos feridos a bala. Mas que merda aconteceu aqui? Perguntei a ele. William apenas me olhou, e fez um sinal negativo com a cabeça. Eu não estava gostando disso, o maldito estava escondendo alguma coisa. Olhei pra minha amiga em meus braços, ela estava desacordada e queimava de febre. Droga! O corredor terminou em uma porta dupla com símbolos virais. Olhei novamente pro cara mas ele não me encarou. Tinha alguma coisa muito estranha no seu olhar. William pediu-me para soltar minha amiga um instante, pois o mecanismo para abrir a porta necessitava de uma segunda pessoa. Escorei-a confortavelmente na parede e então fui até ele. Haviam duas alavancas que deveriam ser puxadas exatamente ao mesmo tempo, em uma contagem de três segundos. Falhamos na primeira tentativa, mas na segunda deu certo. Voltei a pegar minha amiga nos braços e entramos.

A sala era quadrada e cheia de máquinas esquisitas. Estava bem frio la dentro e havia mais dois corpos baleados, debruçados no piso próximo ao freezer. William não parecia abalado com aquilo. Ele foi até aquele freezer, passou seu cartão de identificação e o abriu. Haviam apenas duas seringas la dentro. Sentei minha amiga contra a parede e depois caminhei até o freezer. Puxei-o mas ele não abriu. Puxei-o de novo. Oque...? Olhei para o lado e notei que William estava guardando a vacina em uma bolsa; ele não havia a usado. William colocou a bolsa no ombro e apontou a arma para mim, ao mesmo tempo em que eu apontei a minha para ele. O maldito nos usou esse tempo todo! Desgraçado! Minha amiga acordou, viu oque estava acontecendo e tentou se levantar, mas estava fraca demais. Ele apenas observou-a, deu uma leve ajustada nos óculos e pediu para que eu largasse minha arma. Eu recusei e ele apontou para ela. Filho da puta! Ergui minhas mãos e pedi para que ele se acalmasse. Isso o deixou satisfeito e ele tornou a apontar a arma pra mim, aproximando-se devagar. Aproveitei que ele estava perto o suficiente e tentei entrar em luta corporal, mas o maldito me acertou com a coronha. Desabei no chão, tonto e com a cabeça sangrando.

- Desculpa filho, nada pessoal.

Era o fim, fechei meus olhos e esperei pelo impacto da bala, torcendo para que ele desse uma morte rápida pra minha amiga também. Quando estava prestes a disparar, William soltou um grande grito de dor e o tiro acabou pegando de raspão no meu braço. Os corpos que antes estavam caídos, imóveis, agora o atacavam, um deles mordendo vorazmente sua perna. Ele tentou atirar em mim de novo, mas eu rolei pra trás de uma máquina e ele errou. Os gritos continuavam. Mais um disparo foi dado. Contornei os aparelhos o mais rápido que pude e cheguei nas costas dele. Ele me viu e então apontou a arma pra minha amiga, mas eu pulei e joguei- o no chão. As duas armas voaram, deslizando pelo piso. Um dos zumbis havia parado de se mexer, mas o outro voltou a se arrastar até nós. William veio pra cima de mim, tentando me estrangular. Acertei-lhe um soco e chutei seu peito, atirando-o para o lado. O zumbi segurava minha canela, livrei-me e comecei a me arrastar para trás tentando chegar até uma das armas. Peguei uma e atirei na cabeça dele, matando-o. Respirei fundo, William continuava caído, tentando se arrastar, sua perna estava horrível. Me aproximei dele:

- Nada pessoal, seu desgraçado. - eu disse, e adorei falar aquilo. Em seguida meti uma bala na sua cabeça. Pobre bastardo, ele ainda segurava a bolsa com firmeza contra seu peito. Puxei o zíper da bolsa e oque tirei de dentro dela me desanimou. A seringa havia quebrado e vazado. Junto dela estava o cartão que William tinha usado para abrir o freezer. O nome Roger Marines estava escrito nele. Usei o cartão e peguei a ultima seringa. Minha amiga estava desacordada. Corri até ela e apliquei o anti vírus no seu pescoço, rezando para que não fosse tarde demais. Sentei e escorei sua cabeça na minha perna. Um tempo depois ela começou a apresentar sinais de melhora. Sua cor voltou ao normal, e sua febre baixou. Me levantei, fui até os outros freezers vasculhar um por um, mas estavam todos vazios. Puxei o ar devagar e soltei-o mais devagar ainda. Dei meia volta e procurei uma folha. Haviam algumas folhas de ofício espalhadas pelo chão. Encontrei uma caneta e comecei a escrever. Assim que terminei, peguei a arma do doutor que havia deslizado para baixo de um dos freezers, verifiquei se havia balas e então coloquei- a na mão da minha amiga, junto com a folha. Sai da sala, sentei no corredor e ergui minha calça na altura da canela. O maldito zumbi havia cravado suas unhas ali. Eu podia sentir o vírus me matando por dentro. Olhei pra calibre 38, chorando. Havia apenas mais uma bala no tambor. Que ironia, pensei. Nunca fui um tipo supersticioso, mas talvez fosse pra acontecer. Talvez fosse a merda do meu destino. Coloquei o cano na minha boca. Lágrimas escorriam sem parar. Fiquei assim durante um bom tempo, respirando e soltando o ar. Pensei na minha vida, nas coisas que fiz e que deixei de fazer; pensei na minha amiga, no quanto ela era bonita e no quanto eu gostava dela. Pensei em tudo que vivemos juntos e fixei uma imagem do sorriso dela na minha mente... uma ultima lágrima caiu, eu sorri, e então tudo desapareceu com um estouro.


''Jessica, quando você ler isso, eu já vou estar morto. Fui infectado e não quero me transformar em um deles. Não quero coloca-la em perigo, por isso decidi tirar minha própria vida.

Eu usei a ultima seringa em você. Acho que você sabe porque, sempre soube. Eu te amo Jessica e sinto muito por nunca ter lhe dito isso. Peço que faça um favor para mim agora. Sobreviva! Eu estarei sempre com você, lhe protegendo.''

Lucas.

Parte 1


Dia Z PARTE 1


Muitos dizem que gostariam que acontecesse um Apocalipse Zumbi - também conhecido como Dia Z. Falam isso sem medo, sem pensar que podem acabar perdendo sua família, seus amigos, parentes e, também falam sem a convicção de que as chances de serem sobreviventes em uma situação desta são mínimas. Confesso que eu também ''gostaria'' que de alguma forma, zumbis tomassem conta do mundo. Seria sim uma experiencia dos diabos! Imagina a adrenalina! Aquele clima de apocalipse, com você sobrevivendo sozinho ou com seus amigos. Indo de mercado em mercado, loja em loja, casa em casa. Buscando suprimentos e tentando desesperadamente proteger sua frágil vida tanto dos zumbis, quanto de outros seres humanos igualmente desesperados. Pois é, talvez isso nunca aconteça, mas de qualquer forma eu já vivenciei essa experiencia através de um pesadelo. Muitos já devem ter tido pesadelos com zumbis, mas o que eu tive foi diferente, foi inexplicavelmente real. Tão real que eu enxergava tudo com meus próprios olhos, em primeira pessoa.




Estava entardecendo e o Sol já começava a espremer seus alaranjados raios entre os prédios e residências. Eu estava saindo de um edifício, segurando uma pasta na mão esquerda e meu celular na mão direita. Assim que o sinal fechou, atravessei a rua e segui adiante, focado em meu celular. Conversava com uma amiga minha através de um bate papo. Ela me contava sobre uma noticia que estava passando na TV no exato momento em que conversávamos. Parece que uma mulher matou o marido a dentadas. Aquilo foi bizarro, mas ao mesmo tempo cômico e acabou me fazendo rir. Minha amiga então completou, dizendo que a mulher e a filha  foram baleadas pela policia ao tentarem atacar um dos guardas. Que loucura. Respondi ela e continuei andando distraído durante algumas quadras.

Um cachorro apareceu na minha frente arrastando a corrente do pescoço. Era um desses labradores que a gente vê com as crianças ou deficientes visuais. Deve ter fugido. Observei-o passar por mim e continuei caminhando por mais alguns minutos, até finalmente dar-me conta de algo: não haviam carros e nem pessoas circulando. Olhei para trás; não havia ninguém além de mim na rua em que eu estava. Comentei isso com minha amiga e ela também achou incomum, acrescentando que iria dar uma olhada na rua da casa dela e não demoraria. Quando cheguei na esquina, vi alguns carros estacionados desleixadamente e... não, não era isso, eles pareciam mais ter sido abandonados as pressas pelos motoristas... As portas estavam abertas e mais a frente havia um veículo acidentado. Pensei ter escutado alguém gritando e fiquei um pouco nervoso. Olhei para os lados e avistei pessoas ao longe, então comecei a caminhar na direção delas. Elas estavam estranhas, caminhavam de uma maneira esquisita; continuei me aproximando e de repente ouvi um enorme estrondo, um barulho de batida e explosão que ecoou em meio aos prédios, e em seguida vieram gritos, gritos de pânico. Eu me abaixei atrás da primeira coisa que me pareceu segura, tentando me proteger de seja lá oque estivesse acontecendo, e então vi quando um grande grupo de pessoas apareceu correndo. Havia, sangue nas roupas de algumas delas! Quando passaram por mim, gritaram para eu correr, mas eu fiquei parado. Uma mulher passou chorando desesperada, carregando uma menina no colo. Aquilo tudo me deixou zonzo. Eu levantei e meus movimentos pareciam ser em câmera lenta. Foi então que eu os vi. Vi dezenas deles, ensanguentados, pálidos, mortos, correndo de forma desajeitada em minha direção. Eram zumbis, eram malditos zumbis! Minhas pernas não se moviam, meu corpo não respondia, eu não conseguia nem ao menos gritar. Foi quando um homem caiu e se espatifou de costas na minha frente. Lentamente desviei meu olhar para cima e vi uma janela quebrada no terceiro andar do apartamento ao qual eu estava parado em frente. Voltei meu olhar para o homem, que estava agora se arrastando na minha direção, deixando um rastro de sangue pelo asfalto. Ele não tinha um dos olhos e seu pescoço estava quebrado. Meu coração quase pulou pela boca, e então eu corri, tão rápido quanto pude. Meus sentidos pareciam alterados, eu não conseguia escutar nada além da minha ofegante respiração. Quando cheguei na esquina, o caos já era completo. Um carro desgovernado apareceu derrapando, bateu em um hidrante - fazendo água jorrar metros acima - e depois invadiu uma loja.

A medida que minha tontura passava, comecei a perceber muito barulho, muitos gritos de pessoas desesperadas. Corri em direção a uma loja qualquer destas com vidro escuro. Ela estava completamente vazia. Me abaixei atrás de um balcão e fiquei espiando oque se passava la fora. Alguns zumbis chegaram até a vitrine da loja. Eu podia vê-los, mas eles não podiam me ver. Alguns deles passavam bem perto da vidraça. Apesar de não conseguirem me ver, acho que conseguiam sentir meu cheiro, pois alguns começaram a se debruçar no vidro e arranha-lo. Parado ali dentro, eu não acreditava no que meus olhos viam: eram malditos mortos vivos, zumbis, walkers, ou seja la como os chamam nos programas de TV. Isso tudo estava realmente acontecendo? Essa pergunta martelou minha cabeça algumas vezes, e então eu fechava meus olhos com força, mas quando voltava a olhar, eles ainda estavam ali.

Sentei de costas contra o balcão, esfregando meus braços, tentando pensar, mas no estado em que eu estava, não havia nem como raciocinar direito. Lembrei da minha amiga e peguei meu celular do bolso, com tanta pressa que o derrubei. Limpei o suor do rosto e li as ultimas mensagens recebidas. Eram todas dela pedindo minha ajuda. Ela dizia que estava sozinha em casa, que não conseguia se comunicar com ninguém, que a rua estava um caos, com gente morta e ferida, e que haviam pessoas tentando invadir sua casa. Eu a respondi imediatamente, mas ela não retornou. Minha bateria piscou, estava no vermelho, então mandei uma mensagem final, dizendo para que ela não saísse de casa, e que eu iria busca-la o mais depressa possível.

Os zumbis próximos a vitrine estavam mais calmos. Alguns caíram no chão e ficaram estirados. Outros perambulavam de lá pra cá. Apenas um deles - um homem de terno e gravata com parte do rosto arrancado - continuava batendo no vidro, tentando inutilmente atravessa-lo. A porta da frente não era uma opção, então eu saí pelos fundos. A casa da minha amiga ficava próxima a minha casa e eu não morava longe dali. Abri a porta devagar, observando se havia alguem ou alguma ''coisa'' por perto. Não havia, então saí. Os zumbis estavam se acumulando em apenas um dos lados da rua, isso facilitou minha fuga. Me esgueirei pelos becos, pulando algumas cercas, sempre tomando cuidado para não ser visto. Cheguei então na rua de baixo e senti um cheiro horrível de carne queimada. Haviam muitos carros acidentados, entre eles carros da brigada, com as sirenes ainda piscando. Alguns destes carros pegavam fogo, fazendo uma fumaça negra subir ao céu, e ao lado, um enorme grupo de zumbis se alimentava dos cadáveres de policiais. O fogo de um dos carros em chamas se alastrou, conduzido pelo óleo que havia no chão, e estava agora consumindo parte da perna de um dos zumbis, que não sentia nada, apenas continuava enterrando os dentes nas entranhas daquele pobre policial. Ouvi alguns tiros e mais gritos. Mais a frente, um homem apareceu correndo e tropeçou ao ver o grupo de zumbis que se alimentava. Dois deles levantaram e foram em sua direção, mas ele se recompôs e correu em outra direção. Sai de onde estava abaixado e fui até a esquina contrária. A luz do dia já estava desaparecendo, eu precisava me apressar!

Parte 2

Desenho.

Coruja no luar. Feita com lapiseira, e sombreada no Photoshop.

O Casarão da Rua Flee


Era tarde da noite, algo em torno das 3:30 da manhã. A cidade estava fria, silenciosa e o tempo anunciava chuva. Eu e meu amigo estávamos voltando de uma noitada quando tivemos a ideia de entrar no casarão abandonado da rua Flee. O casarão da família Hopkins, que viveu ali durante duas gerações. Não foi preciso pensar muito - já que não estávamos pensando direito devido ao alcool. Decidimos ir.

A rua Flee era praticamente deserta e o único movimento que podia ser visto era o das folhagens e folhas das árvores quando sopradas pelo vento, assim como suas respectivas sombras que dançavam entre os muros. As vezes um ou dois cães também podiam ser avistados perambulando por perto. Chegamos a rua Flee em menos de 10 minutos. O casarão dos Hopkins ocupava um quarteirão inteiro, e as casas vizinhas, menores, estavam todas para alugar. Poucas eram as pessoas que moravam nas redondezas, se é que moravam. Pensando melhor agora, é bem raro ver uma luz acesa, mesmo nas casas habitadas. Os portões de metal do casarão estavam abertos, cobertos por ferrugem, folhagens e trepadeiras que desceram o muro e se enrolaram por entre as grades, forçando-as a permanecer sempre abertas. Entramos com o carro, devagar. Meu amigo ergueu a luz dos faróis; estava muito escuro e conseguíamos ver apenas oque era iluminado por eles. Parecia até que a luz da Lua não conseguia penetrar na residência. Uma fileira de mato e arbustos acompanhavam as laterais da estradinha pela qual o carro seguia - a vegetação reivindicou seu espaço, literalmente.

 Feita apenas para pequenos automóveis passarem, a pequena estrada era cheia de curvas meticulosamente desenhadas. Ao final ela dobrava para a esquerda, e seguia adiante, fazendo mais uma curva que levava novamente até a saída. Estacionamos o carro bem em frente a enorme porta tom de vinho. Era uma porta dupla, com detalhes que lembravam aqueles portões medievais.

Construída em meados de 1950 pelo mais famoso arquiteto do estado da Califórnia, Jonathan Henrique Reew - que aparentemente cometeu suicídio logo depois de terminadas as obras - este enorme casarão nunca teve outros moradores depois da misteriosa morte de seus donos.

O dono original e idealizador da propriedade era o Sir. Henrique Hopkins, um rico empresário, dono da maior fábrica de porcelanas do Estado. Ele faleceu em 1985, suicidando-se com um tiro na cabeça. Naquele tempo, muitos rumores surgiram para explicar seu suicídio. O mais famoso dos rumores é o de que ele foi atingido por uma forte depressão após o falecimento de sua esposa, a Srta Louise Hopkins. Dizem que a depressão foi tanta que ele chegou a construir uma versão porcelana de sua amada, apenas para faze-lo companhia. Porém, isto nunca passou de um rumor, é claro.

Mas essa nem é a melhor parte. Após sua morte, a propriedade ficou para sua única filha, Mary Antonieta Hopkins. A garota herdou a casa muito jovem, aos 19 anos. Ela era de poucas palavras; seu cabelo avermelhado realçava a palidez de sua pele, assim como seus negros e delineados olhos. Mary não costumava sair de casa e também não gostava de receber visitas, nem mesmo de seus parentes. Era raramente vista até mesmo pelo jardineiro, que cuidava do terreno três vezes por semana. E para surpresa de todos, foi com este mesmo que ela se casou pouco tempo depois.

O jovem jardineiro e estudante de artes, Nicholas Creedance, costumava ser alegre, carismático, e tinha muito amigos, mas depois do casamento tornou-se frio e não aparecia mais. Seus amigos e familiares tentavam visita-lo, mas sempre arrogante, ele os mandava embora sem nem abrir a porta. As vezes até ameaçava as pessoas mais insistentes. Um primo de Nicholas disse que em uma de suas visitas, pela janela ele avistou o primo pintando o que parecia ser um manequim, ou algo do tipo. Ao perceber sua presença, Nicholas rapidamente fechou as cortinas e gritou para ele ir embora. Seu rosto estava magro, pálido e com olheiras.

Com o tempo os moradores foram se acostumando a estes terríveis vizinhos, e ninguém mais os visitava. Vários meses se passaram e ninguém mais nem ouvia falar deles. Quase um ano e meio e algumas pessoas passaram a comentar que nunca viam nem mesmo um carro entrar ou sair daquela residencia. As correspondências nunca eram pegas, e o jardim também estava descuidado. O mato ja até invadia a calçada. Estas circunstancias levaram alguns policiais a ir investigar. Entraram facilmente pelos portões e bateram na porta, chamando pelos donos, mas estes não apareceram. Decidiram então arrombar, mas para surpresa deles, não foi preciso. Um pequeno empurrão e a porta abriu gentilmente, como se convidasse-os.

Segundo relatos, o interior da casa era deslumbrante e estava impecável. Tudo muito limpo e cuidado. Os enormes lustres iluminavam tudo e davam vida ao local e as decorações. O chão era tão limpo que refletia tudo, cada luz, cada móvel. Ao mesmo tempo, porém, a sensação de abandono era notável. Não havia som algum, a não ser o tec tec dos coturnos no frio piso. Os policiais então anunciaram a entrada e como ninguém apareceu, resolveram investigar a casa toda, começando pelo primeiro andar. A sala de estar estava em perfeita ordem, com a lareira acesa. O tapete marroquino limpo, sem pó, assim como todos os móveis. Certamente eles eram muito caprichosos, já que não possuíam empregadas domésticas.

Na cozinha, porém, a situação era diferente. Estava tudo um brinco, a louça posta a mesa, candelabros acesos, toalha, copos com vinho e tudo mais. Acontece que a mesa estava servida, com carne crua e apodrecida, tomadas por vermes. A salada e o restante encontravam se no mesmo estado. O vinho nas taças também cheirava mal. Aquilo foi horrível de se presenciar. Mas foi apenas no segundo andar que eles presenciaram cenas das quais nunca mais se esqueceriam. Símbolos e escritas em tom vermelho escuros manchavam as paredes de um dos corredores. Velas a muito tempo apagadas percorriam toda a extensão do mesmo, até chegarem a uma porta. A unica porta daquele corredor esquisito. Ao se aproximarem, uma leve canção de ninar podia ser ouvida. Era uma bonita e acolhedora canção. Um dos policiais empunhou a arma e ficou em guarda, enquanto outro abriu a porta. Eles entraram e, oque viram, fez até o único ateu entre eles sussurrar o nome de Deus.

O casal Mary e Nicholas estava deitado na cama de mãos dadas, com os dedos bem entrelaçados e olhos escancarados. Um enorme sorriso de satisfação estampava o rosto de ambos. Mary estava maquiada, vestia um vestido rosado de seda, sapatos vermelhos e um colar de brilhantes. Nicholas também estava elegante. Ele vestia um terno escuro, gravata e sapatos bem engraxados. Os dois estavam mortos e bastante decompostos.

O lado da cama um manequim pintado de forma realista estava sentado ao lado de um berço. Sua expressão era feliz, mas, havia algo estranho no sorriso daquele manequim. Parecia um sorriso de prazer. O berço a frente dele era a fonte daquela melodia, e deitados de costas um para o outro havia dois bebes em estado de decomposição. O choque foi tanto que os policiais só perceberam o terrível cheiro de morte e putrefação instantes depois.

Não demorou muito para a imprensa mundial tomar conta do local. Diversos rumores, historias de terror, lendas e boatos surgiram ao longo dos anos. Os policiais que participaram da operação se recusaram a dar entrevistas, mesmo com enormes quantias sendo-lhes oferecidas. Os detalhes daquela tarde só foram expostos porque um familiar achou o diário de um dos policiais que liderou a entrada na residencia. No diário ele contava tudo exatamente desta forma. Sua dificuldade para dormir, quando começava a ouvir choros de bebê e musicas de ninar durante a madrugada. Ele também falava das inúmeras vontades de cometer suicídio que invadiam sua mente ao longo dos anos; doas remédios que começou a tomar, e da luta diária que enfrentava para tentar parecer bem aos olhos de seus netos, que sabiam que algo estava errado. Mais tarde, porém, acabou sucumbindo e precisou de tratamento psiquiátrico. Ele morreu de causas naturais, poucos tempo depois, aos 69 anos.

As pessoas mantinham distancia. Os moradores mais próximos se mudaram. A Rua Flee era uma rua mal vista, e como não havia ninguém que quisesse morar na residência dos Hopkins, os parentes de Nicholas venderam o casarão a um rico empresário que possuía planos para aquele enorme terreno. A casa e tudo mais deveria ter sido demolida a alguns anos atrás, mas até hoje isso não aconteceu.


Parados em frente aquela enorme porta vermelha, eu e meu amigo ainda decidíamos de deveríamos sair do carro ou não. Até que ele puxou o freio de mão e retirou o cinto.

- Ta a gente veio aqui pra ficar dentro do carro? Bora sair!

 Meu amigo estava entusiasmado, eu nem tanto. Falávamos sobre invadir esse casarão desde o ano passado, mas falar era mais fácil do que fazer. A coragem não chegava nunca. Os ''benefícios'' de invadir um local desses, porém eram enormes. Ninguém tinha fotos de la de dentro, e se postássemos na internet ficaríamos conhecidos. Sem falar que deveria ser um bom lugar pra levar as garotas. Transar la dentro deve dar uma adrenalina daquelas(claro que a ideia era bizarra, mas ela sempre vinha a tona quando bebíamos muito). Foram estes pensamentos que encorajaram nossos idiotas e anestesiados cérebros a finalmente lançarem sinais elétricos ao nosso corpo, fazendo com que nos mexêssemos para fora do carro. Mas antes de finalmente sair eu ainda disse:

- Calma um pouco, deixa eu dar mais uma olhada. Nunca se sabe né?

- Ta, ta. Pega aqui minha lanterna então.

- Boa. - Agradeci.

Para chegar até a porta, antes era preciso subir o pequeno lance de escadas de mármore. Cinco degraus ao todo. A luz da lanterna permitia uma boa visão. A tintura da porta e das paredes estavam desgastadas, e pequenos buracos haviam se formado nos enormes pilares de concreto que sustentavam oque parecia ser uma sacada do segundo andar. Ao lado da porta principal haviam 3 enormes janelas de vidro, uma delas havia levado uma pedrada.

Estava ficando cada vez mais frio, e uma leve e fina garoa começou a cair. Eu estava tentando enxergar além, mas infelizmente estava escuro demais e nem mesmo a luz da lanterna conseguia penetrar o vidro das janelas.

- Ta bem então. Se tu for eu vou. Mas não vá, por favor.

Meu amigo fechou a jaqueta, colocou o boné e abriu a porta.

- Bora.

- Merda. - sussurrei.

Ele então caminhou subiu as escadas e parou perto da porta, virou o rosto e olhou pra mim, num gesto de ''ta esperando oque?.'' Eu estava parado de pé do lado de fora do carro, com a porta aberta. A luz da lanterna acesa, acompanhando meu amigo a medida que ele prosseguia. Voltei a argumentar sobre oque estávamos fazendo. Acho que a esse ponto o efeito da bebida ja estava passando, e ao meu ver, era melhor se estivéssemos ali de tarde. Meu amigo, porém, acabou me convencendo.

- Ta bom, tudo bem seu merda. Mas espera um pouco que vou mijar antes. - disse finalmente.

Ele concordou, me dizendo pra não demorar. Fui até a arvore mais próxima e descarreguei o que tinha pra descarregar. Aquilo foi tão bom que até me encorajou. Mas quando virei não encontrei meu amigo.

- Falk?

Chamei por ele, gritei. Mandei ele tomar no cu por estar querendo me assustar, mas nada. Nem sequer uma resposta. Olhei pra todos os lados, iluminando as áreas mais escuras com a lanterna, mas nem sinal mesmo dele. Foi quando percebi que a porta da frente estava ligeiramente aberta. Aquilo me deixou puto da vida. Ele entrou sem mim, que desgraçado.

Peguei o celular  para olhar a hora, ja eram 4:03 da manhã. Voltei a guarda-lo no bolso e caminhei em direção a porta, mas logo que pisei no primeiro degrau uma sensação horrível passou pelo meu corpo. Eu simplesmente travei. Um frio na espinha me fez ficar imóvel de repente. A temperatura parecia ter caído uns dez graus em menos de 1 minuto.

Numa tentativa de adiar um pouco minha entrada no casarão, decidi voltar ao carro pra pegar minha jaqueta. Peguei-a e quando me virei as luzes da casa se acenderam e vi meu amigo parado na porta. Ele vestia terno, estava pálido e caminhava lentamente em minha direção. O pavor tomou conta de mim por completo. Abri a porta do carro, corri até meu amigo e o fiz entrar no carona.

- Merda, merda! Foi um erro a gente ter vindo aqui. Eu sabia! Merda!

- Vai... Tira a gente daqui. - Sussurrou ele. Seus lábios estavam com uma coloração roxa.

Nesse momento a chuva engrossou e trovoadas começaram a penetrar entre as arvores. As luzes do casarão voltaram a apagar. Nossos corpos foram jogado pra trás assim que enterrei o pé no acelerador. Nem me preocupei em usar a estradinha, fui cortando caminho pelo matagal até chegar nos portões de saída.

Estávamos na estrada agora. A chuva estava muito forte e as trovoadas eram frequentes. Uma rápida olhada no retrovisor mostrou a expressão de horror na minha face.

- Co - C - Coloca o sinto cara, coloca ele. - Falei gaguejando.

Falk não me respondeu isso. Olhei novamente pra ele. Seus lábios estavam ainda mais roxos, e sua pele super pálida. Ele não estava nada bem, precisava imediatamente ir a um hospital. Mas meus pensamentos foram cortados assim que ele começou a falar.

- Estamos bem longe da casa já, não é mesmo?

- Sim, estamos. Acho que sim. - Respondi, tentando olhar pra ele e pra estrada ao mesmo tempo. Mas era melhor me focar na estrada, pois com aquele tempo, mal dava pra enxergar oque havia a frente.

- Ótimo, então... - Sua mão encostou no meu ombro. - ... nunca mais volte la, nem por mim, por favor.

No momento em que ele disse isso, olhei pro lado e não o vi mais. No susto, freei o carro bruscamente, derrapando na pista molhada. Quando o carro finalmente parou, olhei para o banco de trás. Nada. Sai do carro em meio a chuvarada, procurando pelo meu amigo, gritando o nome dele, mas não o encontrei em lugar nenhum. Ja chorando, liguei para seu celular, varias vezes. Na ultima tentativa alguém atendeu.

- Falk!? Falk!?

Mas do outro lado da linha ninguém respondia. Não ouvi vozes nem nada, apenas uma bela canção tocava ao fundo. Uma canção de ninar.

Desenho.

Slash, feito a caneta. Sombreado no Photoshop.

Viagem de Metrô.

O ar estava muito mais pesado aquela noite. Eu havia me embebedado como de costume, mas ainda estava sóbrio o suficiente para ter certeza de que havia uma densidade sobrenatural no ar. Sai do meu apartamento pouco depois da meia noite, segurando com firmeza aquela estranha maleta metálica que aparecera do nada na cabeceira do meu quarto a dois dias atrás. Tentar abri-la era inútil, pois não havia fechadura alguma, apenas um bilhete dizendo para mim tomar conta dela, pois ela me daria tudo que eu mais queria - oque era uma besteira, é claro, pois oque eu mais queria era morrer.

No inicio, cheguei a pensar que algum desgraçado estava fazendo piada comigo. Fazendo piada com meu sofrimento. Mas com o passar dos dias, mais informações iam aparecendo naquela folha ja levemente amassada. E no ultimo dia, a mensagem encontrava-se da seguinte maneira:

''Tome conta desta maleta;
Ela é a chave para que você encontre
tudo aquilo que mais deseja.
Pegue o metrô na estação Colline Castle St
exatamente a 1:30h deste sábado.
Estamos te esperando.''


Cara, se aquilo tudo era uma maldita piada, ou se eu estava ficando louco, eu não sei, mas essa era a letra da minha esposa. O modo como ela escrevia italicamente e emendava as letras era igual. Não havia engano, não poderia haver engano!(Eu não queria que houvesse engano).

Então, se eu realmente estava ficando maluco, não importava, pois esse é o melhor motivo que encontrei para viver em semanas, desde que as duas pessoas que eu mais amo na vida morreram naquele maldito acidente de carro.

Varias vezes já tentei cometer suicídio. Varias vezes o cano daquela arma ja esteve encostado na minha cabeça. O gelado cano de metal tremendo, tilintando na minha fonte, enquanto minhas trêmulas e suadas mãos ajustavam os dedos na coronha de segundo em segundo. O suor escorria em meio a lagrimas, e eu bebia oque deveriam ser meus últimos goles daquele whisky vagabundo. Havia garrafas vazias por todo lado. Mas não tive coragem, em nenhuma das 8 vezes em que passei horas sentado a beira da cama tentando pressionar o maldito gatilho. E a voz do meu pai continua me assombrando: ''Covarde, você sempre foi um covarde! Um maldito covarde! A culpa é sua seu desgraçado!'' Se ele estivesse vivo, tenho certeza que teria aparecido no enterro só para chegar perto de mim, e dizer que eu era o culpado por aquilo. Assim como ele sempre me culpou pela morte da mãe. Desgraçado. Espero sinceramente que esteja queimando no inferno.

Instantes antes de sair, fui até o espelho do banheiro e fiquei me encarando por alguns vários minutos, tentando juntar todas as informações que ainda zanzavam na minha mente. Durante estes minutos, coloquei a cabeça em baixo da torneira e agora com os cabelos, rosto e barba encharcados eu pude perceber o quanto eu parecia velho, aos 32 anos. Minha barba estava enorme e levemente grisalha. Ela percorria toda a extensão dos meus maxilares e descia pelo pescoço, terminando em fiapos. E meus olhos estavam fundos, caídos, sem brilho, sem vida. Eu não dormia direito a dias. Passava as madrugadas fumando, bebendo e tentando me matar; mas depois de mais uma tentativa falha de meter uma bala na minha cabeça, eu acabava dormindo, chorando e me sentindo um covarde. Acho que sem vida era a palavra certa pra me definir mesmo. Eu me sentia um casulo oco apodrecendo. O meu interior, a minha alma, o meu amor, a minha vida havia acabado no exato momento em que recebi aquele telefonema da polícia informando a tragédia.

- Alô, quem fala?
- Senhor Macfield?
- Sim, isso mesmo.
- Aqui é da policia. Sinto lhe informar mas, houve um acidente e... sua esposa e sua filha... elas.... bom...
- Do que você esta falando? Onde estão minha esposa e minha filha?
- Eu sinto muito senhor, eu... elas sofreram um acidente e nós as levamos ao hospital mas os ferimentos eram...
- Não! Não!! C- Cale a boca, não diga mais nada! Apenas passe o telefone pra minha esposa, imediatamente! - meus olhos ardiam.

Houve um momento de silêncio, seguido de um suspiro no outro lado da linha.

- Ela esta morta senhor, eu sinto muito.
- Oque...? P-Porque estão fazendo isso?! Seu cretino, porque você esta falando essas coisas!!?
- Nós sentimos muito mesmo senhor Macfield. Eu irei lhe passar o numero e endere... alô? Senhor Macfield, o senhor esta ai? Alô?...

De repente eu passei a não ouvir mais nada. O telefone caindo da minha mão, escorrendo devagar enquanto eu andava quase catatonicamente de um lado para o outro, me ajoelhando com as mãos na cabeça. Sem saber oque fazer. Sem saber como reagir. As luzes da casa pareciam distorcidas, desfocadas. Não havia mais som algum no ambiente. Aquilo... aquilo não podia ser verdade. É claro que era só um maldito pesadelo. Bati no meu rosto inúmeras vezes pra acordar logo e abraçar minha esposa e minha filha... mas eu não acordava... acho que eu ainda não acordei.

Mas isso tudo acaba essa noite, eu posso sentir.

Cheguei na estação a 1:10 da manhã. Não havia muita gente. Apenas um gari com seu macacão laranja reforçado(estava muito frio), balançando a vassoura pra la e pra cá, trazendo o lixo, juntando- o com a enorme pá amarela e colocando-o dentro de um latão azul com rodinhas. O homem me olhou e eu desviei o olhar, de forma pouco natural, como se estivesse me escondendo. Passei então por outros dois sujeitos negros que estavam próximos a beira dos trilhos, conversando. Sentei-me em um dos bancos vazios acoplados na parede e fiquei esperando a chegada do metrô da 1:30h. Enquanto esperava, notei que algumas das pessoas que estavam ali pareciam me olhar. Não, era apenas impressão minha - ou não? - mas mesmo assim fiquei nervoso. Tentei agir de forma natural, mas acabei segurando a maleta um pouco mais firme e indiscretamente do que eu queria. Merda, porque estavam me olhando? Então o trem chegou, a 1:30h em ponto, e eu entrei nele tão rápido quanto pude.

La dentro estava quase lotado. Andei um pouco pelo vagão e cheguei ao lado de uma senhora idosa de cabelos curtos e bem brancos. Ela olhou pra mim com um olhar simpático e um sorriso nos lábios, como se estivesse dizendo para eu ficar a vontade. Retribui o sorriso, tentando ser simpático, mas sem muito sucesso, então sentei-me ao lado dela.

O local estava extremamente barulhento, muito mais que o de costume. Coloquei a maleta no colo, e fiquei olhando em uma direção qualquer. Pensamentos aleatórios me vinham a cabeça. Olhei pro meu relógio, ele ainda marcava 1:30h e, meia hora depois continuava marcando o mesmo horário. Deve ter estragado. Resolvi me levantar um pouco - estava impaciente - e foi então que notei algo: todos os passageiros carregavam uma maleta prateada consigo, inclusive a senhora idosa. De repente o metrô tremeu, como se algo o tivesse atingido. As luzes do teto piscaram e uma delas estourou. Todos ficaram assustados. Alguns se abaixaram. Em seguida outro impacto ainda mais forte, e dessa vez não consegui me segurar. A maleta voou dos meus braços e eu dei com a cabeça em um dos ferros de apoio. Cai desacordado no chão.

(- Jack... Jack meu amor, acorda...
- Papai...
- Jack...
- Papai. Levanta papai!
- Levanta meu bem, falta pouco agora.)

Abri os olhos assustado, e fui recobrando a consciência aos poucos, levantando- me primeiro com o apoio dos braços, depois dos joelhos. Levei a mão a testa para ver se estava sangrando. Não estava. Mas eu sentia uma dor insuportável na lateral da cabeça. Parecia que meu cérebro havia explodido. Um pouco tonto e enjoado, vomitei uma espécie de líquido negro, e então segurei-me nos ferros de apoio. Fiquei parado uns instantes, até melhorar. O trem estava completamente silencioso. Mas as esperai, oque esta acontecendo? As pessoas haviam desaparecido! Procurei minha maleta, ela estava em cima de um dos bancos. Peguei-a e olhei assustado ao redor. Fui até uma das janelas, estava muito escuro e não dava para enxergar nada. Era como se o trem estivesse andando sobre um grande vazio. Percorri todos os vagões o mais rápido que pude. Todos estavam vazios. Enfim cheguei no vagão de controle, mas não havia ninguém ali também. Olhei para fora pelos vidros frontais. Não haviam trilhos, não havia túnel, não havia nada! Que merda é essa!? Então uma luz branca apareceu ao longe, e foi ficando cada vez mais próxima e intensa, até tomar por completo o ambiente. Meus olhos demoraram para se acostumar a aquele enorme clarão, mas depois de um tempo eu consegui abri-los. O trem continuava andando - ou será que estava voando? Um estranho zunido impregnou o ambiente. Olhei para a maleta, ela estava aberta. Dentro dela havia uma chave branca. Oque eu deveria fazer com isso? Olhei para o painel de controle. Havia uma entrada ali, a palavra ''liberdade'' estava escrita acima dela. Minha chave encaixou perfeitamente, girei-a e o trem parou. Fui até uma das portas de saída e saí em um lugar sem decorações. Tudo era exageradamente branco e brilhante. Não haviam bancos, não havia luminária, não haviam portas. Havia apenas... um grande vazio. Nisso, duas sombras surgiram ao longe. Minha visão ainda se acostumava a intensa luminosidade. Segui-as com a mão sobre as vistas, para tentar filtrar melhor a luz. Quando cheguei perto o suficiente, lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos. Abracei minha esposa e minha filha. Ela colocou a mão sobre meu rosto e me beijou. Segurei-as o mais firme possível e as enchi de beijos, enquanto chorava sem parar. Não sei ao certo quanto tempo ficamos assim, mas eu não iria mais solta-las. O zunido ainda tomava conta do ar, e ficou mais alto por alguns segundos, mas depois ele foi desaparecendo, e eu finalmente pude ouvir a voz das duas. Elas me pediram pra levantar, me deram as mãos e me levaram até uma porta que não havia ali antes. Entramos e fui tomado por uma sensação de paz e felicidade nunca antes sentidas. Até então eu estava com medo, medo de perde-las de novo, medo de que aquilo fosse uma alucinação; mas pouco tempo bastou para mim perceber que poderíamos ficar juntos novamente. Nunca mais nos separaríamos e isso era tudo que eu queria.

No meu apartamento, jazia meu corpo estirado de barriga pra cima na cama. Haviam varias garrafas de Whisky vazias na escrivaninha e logo abaixo, o cartucho da bala rolava lentamente pelo tapete, até finalmente parar embaixo da cama, onde o sangue escorria e estava formando uma poça. Sobre meu colo estava um álbum de fotos da família. Várias fotografias estavam espalhadas pela bagunçada cama. Na minha mão esquerda o rosário da minha esposa estava fechado firmemente entre os meus dedos. E na minha mão direita, estava o revólver 38 com o cano ainda quente.