31 janeiro 2014

Continuações dos contos.

Eu estou travado nas continuações, mais por preguiça do que por falta de tempo, rsrsrs. Mas garanto que ideias e rascunhos já existem, só falta coloca-los em prática!

Noite Sem Fim - PARTE 3

A delegacia encontrava-se completamente as escuras também, como ele imaginou. Kevin passou pelos portões de acesso do pátio e avançou devagar. Estava escuro demais, mas pareciam haver varias viaturas estacionadas  no pátio, oque significa que ele encontraria muitos policiais lá dentro. ''Torço para que sim.'' Um grito desesperado ecoou pelas ruas, vindo de um lugar qualquer em meio aquela escuridão sem fim. Kevin levou um susto e sentiu um frio na barriga: era aquela sensação de novo. Ele apressou-se e correu até a porta principal.

Kevin entrou na delegacia. O hall estava frio e silencioso, mas ao menos estava um pouco iluminado. Velas e sinalizadores foram espalhados pelos balcões e corredores - a maioria já apagada ou se extinguindo. Havia cheiro de sangue, mas ele não sabia de onde vinha. ''Acho que vem de todo lado...'' Havia uma escadaria central e velas iluminavam os degraus que levavam ao segundo andar do prédio. Kevin parou para observar um pouco, era a primeira vez que entrava em uma delegacia de polícia. O hall era largo e seguia em frente atrás da escadaria; parecia haver portas nas laterais e uma escada de emergência se destacava adiante, com adesivos fosforescentes. Kevin não sabia para onde ir, o hall era escuro e não oferecia segurança - e por falar em segurança, onde estão os policiais? O silêncio era tão grande que Kevin quase conseguia escutar as batidas do próprio coração.



Uma vela apagou-se e despencou de cima do balcão. Kevin avançou e seus pés chutaram um objeto metálico. Algo como uma moeda rolou pelo chão até parar ao lado da escadaria. Ele a seguiu com a lanterna e vários objetos brilhantes começaram a surgir refletindo a luz. - O que...? - Ele aproximou-se de um deles e o pegou: tratava-se de uma capsula vazia, e ao seu redor o chão todo estava repleto delas. Capsulas de diversos tamanhos e calibres. ''Meu Deus...'' subiu os degraus calmamente, apontando a luz para a sacada do segundo piso, tentando ver se havia alguém ou ''alguma coisa'' lá. Apoiou-se no corrimão e sua mão encontrou um líquido vermelho, um tanto pegajoso. ''Sangue...?'' Sentiu um arrepio, e ao chegar no ponto médio da escadaria, percebeu que haviam vários daqueles pequenos objetos luminosos ali também - era como se tivesse havido uma guerra dentro da delegacia. Kevin abaixou-se e pegou outra capsula vazia de algum armamento pesado. Olhou para trás, para baixo. Não havia notado quando entrou, mas dali de cima o hall parecia um campo de guerra, com papeis espalhados, capsulas e buracos de balas por tudo. Também era possível ver o sangue agora. ''Preciso dar o fora daqui imediatamente'' - pensou consigo, quando um ronco agudo surgiu as suas costas e o assustou, fazendo-o dar um passo em falso e rolar escada abaixo. Caido no chão, virou e viu aqueles três pontos vermelhos que se aproximavam. A lanterna havia escapado de sua mão durante a queda; ela não estava longe mas ele sabia que se tentasse levantar acabaria morto. ''Eu vou acabar morto de qualquer jeito!'' Pegou a faca que havia guardado na cintura e, com os pés e as mãos, começou a empurrar-se para trás, até que suas costas encontraram com o balcão onde estavam as velas. A criatura deu um ronco e começou a vir em sua direção. ''Droga, droga!'' Fechou os olhos, a morte era iminente... porém ela não aconteceu. A criatura estava parada e não se aproximava de Kevin. Furiosa, ela apenas andava de um lado ao outro, circundando a claridade... ''A luz, as velas, é claro!'' Kevin ergueu-se, os olhos cinzentos fixos na criatura que encontrava-se a um metro dele. Não era possível ver nada além de uma névoa escura flutuante, e de três pontos vermelhos. Mas fosse oque fosse, não estava voando, pois escutava-se o som de passos que arranhavam o chão quando ela se mexia. ''Que tipo de monstro é esse?'' Kevin contornou o balcão, segurando a faca com firmeza, mas sua pressa foi tamanha que ele acabou derrubando as velas que haviam em cima, conseguindo salvar apenas uma delas. ''Seu idiota!'' Ele a segurou com força, apontando-a na direção da criatura que agora não parecia incomodada - aquela luz não era suficiente para mante-la distante. A luz da lanterna brilhava próxima a escadaria e Kevin estava prestes a arriscar pega-la, quando escutou um estalo no piso e uma explosão de luz vermelha intensa que invadiu o hall da delegacia. Era um sinalizador! A criatura espremeu-se contra a parede, bem ao lado de Kevin que afastou-se dela rapidamente. Três homens fardados desceram as escadas alvejando a criatura com tiros de fuzil. Kevin abaixou-se, tapando os ouvidos com as mãos enquanto tentava observar a cena. A capa negra que a cobria começou a ser penetrada expondo um corpo humanoide curvado, magro e extremamente pálido, com algo em torno de 1,70m de altura. Seus braços longos, finos e ossudos tocavam o chão. Os dedos terminavam em garras negras compridas. Suas pernas eram igualmente magras e ossudas, terminando em pés com garras ligeiramente maiores que as das mãos. A cabeça era grande e oval; três pequenos olhos vermelhos ficavam acima do que parecia ser uma boca arredondada, com várias camadas de presas circulando seu interior, lembrando a boca de uma sanguessuga. ''Uma sanguessuga monstro...'' A pele pálida e quase transparente da criatura era toda porosa. Um dos policiais fez um gesto com a mão, e quando os tiros sessaram, a criatura estava caida sofrendo espasmos e sangrando um líquido negro; até que finalmente morreu e os olhos flamejantes apagaram. O policial que parecia estar no comando - um homem alto de meia idade - aproximou-se:

 - Você esta bem garoto?

Sem conseguir falar, Kevin apenas fez um sinal com a cabeça. Se os policiais não tivessem chegado, ele provavelmente teria morrido.

- Qual o seu nome? Você esta sozinho?
- S- Sim senhor, obrigado pela ajuda. Meu nome é Kevin.

O policial estendeu a mão para ajuda-lo a levantar. Os outros dois continuavam afastados, um deles abaixado perto da criatura recém morta, analisando-a, enquanto o outro vasculhava a área a procura de outra criatura.

- Vocês sabem o que é isso tudo? Sabem oque são essas coisas?
- Negativo. A única coisa que sabemos é que são extremamente sensíveis a luz, e que podemos mata-las.
- A pergunta é: até quando poderemos nos defender? - O policial que estava abaixado interrompeu. - A luz por si só não as mata. Vejam só quantos tiros são necessários pra derrubar só uma dessas aberrações. Nós não temos a munição necessária para lidar com essa situação.
- E nem homens suficientes. - completou o outro.
- C-Como assim? Onde estão os outros policiais? - perguntou Kevin.
- Só há nós garoto - respondeu o capitão -, e o Richard que ficou lá em cima fazendo guarda com o pequeno grupo de sobreviventes civis. Também tem o Paul e o Mike, mas não sabemos a posição deles. A essa altura, é possível que já tenham sido...
- Não, eles vão voltar! - interrompeu o policial abaixado. - Eu recebi uma frequência do rádio do Paul a menos de meia hora. Ouvi tiros e... Droga eu sei que...
- Controle-se, Carlos! - interrompeu o capitão, apertando o braço do policial - Eu sei que ele é seu irmão, e também era meu amigo; mas você é um profissional, pelo amor de Deus, lembre-se disso! É uma ordem!
- Você estão estão brincando né? - perguntou Kevin.
- Escute garoto... Menezes irá leva-lo lá para cima.
- Espera! Senhor... - interrompeu Kevin.
- Capitão Joseph. - completou o homem.
- ... Capitão Joseph, sobre esses civis, por acaso entre eles há uma mulher de quarenta e poucos anos chamada Lisa!? Ela é minha mãe e eu não consegui entrar em contato com ela desde que isso tudo começou!

O capitão olhou para os outros dois.

- Carlos, Menezes, vocês sabem de alguma coisa?

Ambos fizeram sinal negativo.

- Espera, eu ouvi esse nome ser dito lá em cima. Talvez Richard possa ajudar. - disse Carlos.
- Pode ser a minha mãe! Por favor, me levem até lá!
- Tudo bem... Menezes, você acompanha o garoto até lá em cima.
- Mas capitão...
- Faça isso. Eu e o Carlos vamos na frente e você nos encontra em seguida. Vão logo, quanto mais tempo perdemos, menores as chances.
- Certo. - concordou um pouco exitante. - Eu alcanço vocês. Vem comigo, garoto!

Kevin e Menezess subiram as escadas, enquanto Joseph e Carlos seguiram pelo hall e entraram em uma porta dupla ao lado da escada de emergência. A criatura abatida continuava caída, dentro de uma poça de liquido negro brilhoso, contrastado pela luz vermelha continua produzida pelo sinalizador.

Noite Sem Fim - PARTE 2

''O que eu faço, droga?!'' Aquela mulher havia sido assassinada e a imagem horrível dela caída e ensanguentada no asfalto não saia da cabeça de Kevin. ''Que tipo de coisa faria aquilo?! Meu Deus...!'' Kevin estava ofegante, apoiado com as mãos nos joelhos e não tirava sua mãe da cabeça. Mais barulhos do lado de fora, vindos de todos os lados. Alguma coisa estava esbarrando nas cercas e arranhando as paredes da casa. Kevin segurou com firmeza a faca de cozinha que havia pego logo após entrar correndo e trancar a porta. Ele ficou abaixado atrás do sofá, imóvel e em silêncio, tentando ouvir, e tentando não ser ouvido. Os sons estranhos começaram a vir do telhado também - pequenos arranhões que deslocavam-se de um ao lado ao outro rapidamente. Kevin estava tenso e iluminava o teto da sala tentando acompanhar a direção dos passos. ''Desliga isso, seu idiota, eles vão ver!'' - pensou consigo mesmo, desligando rapidamente a lanterna. A escuridão agora era total. Seus dentes estavam apertados e o suor escorria-lhe sem parar da testa e exilas. Por alguns segundos os sons acabaram, até que um som de vidro quebrando invadiu a casa como um estouro. ''A Janela!'' Kevin levou um susto e olhou em todas as direções. O barulho parecia ter vindo da cozinha. ''Droga, não posso ficar aqui!'' Ele foi até os degraus e começou a subir devagar, um por um, até chegar no corredor. Engoliu em seco e prosseguiu, tateando as paredes, até encontrar a porta de seu quarto. Parecia vazio da mesma forma como o havia deixado. A janela estava fechada e trancada. Parecia seguro. Kevin saiu e foi até o quarto de sua mãe; a porta estava entre aberta e não dava para enxergar nada ali dentro. A escuridão não era natural, não havia Lua, não haviam estrelas... Era como se estivesse em outra dimensão. Uma brisa gelada o atingiu e seus passos ficaram estalados... ''Essa não..." Com a lanterna, constatou que o vidro e o molde de madeira estavam quebrados e o chão estava cheio de vidro. Um arrepio, como uma fina corrente elétrica percorreu toda sua espinha, até chegar ao peito, e ele virou lentamente. procurando pelo invasor em todos os cantos, mas não encontrou nada. Mas Kevin sentia-se observado, havia um cheiro estranho no ar, um cheiro forte. Uma gosma pingou na sua mão, seguida de um ronco. O coração de Kevin disparou e ele percorreu a parede do quarto com lanterna - suas pupilas completamente dilatadas acompanhando o feixe de luz até encontrar o invasor: três pontos vermelhos como olhos flamejantes vinham de uma massa negra indescritível. Aquela nuvem que era mais densa que a própria escuridão caiu do teto furiosa, aos gritos. Lágrimas escorriam dos olhos de Kevin enquanto a única coisa que pensava era em sua morte iminente. Acabaria como aquela mulher lá fora. Mas a criatura não avançava, não chegava perto o suficiente... Algo estava errado...Ela gritava e parecia incomodada, impedida de satisfazer sua vontade de sugar o sangue e os intestinos daquele saco de carne a sua frente. Isso fez Kevin engolir a saliva que acumulara e perceber que a criatura não conseguia avançar, por causa... ''Por causa da luz lanterna!'' Assim que retomou o controle sobre seu corpo, ele cautelosamente foi se aproximando, forçando a criatura a espremer-se em um canto ao lado da porta, possibilitando a passagem. Kevin passou próximo o suficiente para pensar ter visto dentes ou garras e então trancou-a dentro do quarto, imaginando que a criatura não soubesse usar a maçaneta. Ele desceu os degraus correndo. Barulhos intensos começaram a surgir pelo telhado da casa. Os gritos da criatura devem ter deixado as outras agitadas. Mais barulhos de vidro, a casa estava sendo invadida! Ao descer o ultimo degrau, levou um segundo para pensar oque fazer a seguir, e então correu em direção a rua. Não sabia se essa era a melhor decisão, mas não havia tempo para pensar; a janela da sala estourou também e alguma coisa a invadiu; Kevin teve um rápido vislumbre de vários pontos vermelhos surgindo atrás de sí - provavelmente os olhos dessas malditas criaturas - e então saiu, deixando a porta escancarada. Ele poderia morrer na rua, mas certamente já estaria morto se não tivesse saído. Ao chegar na esquina, virou a direita e continuou correndo, passando por várias casas totalmente escuras. ''Onde estão as pessoas? Será que estão mortas? Mãe, por favor... por favor meu Deus, que ela esteja viva.'' Seus olhos lacrimejaram ao imaginar a mãe morta. ''Que ela não termine como aquela mulher, por favor, por favor.'' Suas mãos tremiam e sua respiração estava pesada. Kevin olhava para trás o tempo todo para certificar-se de que não estava sendo perseguido, mas era tão inutil quanto caminhar de olhos vendados; a luz da lanterna estava no foco máximo e mesmo assim mal iluminava o asfalto a sua frente; era como se uma fina névoa estivesse no ar, como uma neblina, só que negra. ''A luz, a luz é o ponto fraco delas! Faz sentido... Eu tenho uma chance agora. Mas é melhor me apressar e ir até a delegacia. Estarei mais seguro lá...''

16 janeiro 2014

Noite Sem Fim. - PARTE 1

Aquela tarde havia sido cansativa. O dia todo havia sido cansativo, para falar a verdade, mas a tarde havia sido especialmente corrida - coisa comum nos finais de semana mas era algo ao qual Kevin ainda tentava se habituar. Tem sido sempre assim desde que começara a trabalhar no mercado do seu tio a pouco mais de um mês. Haviam apenas quatro ''grandes mercados'' por assim dizer, naquela pacata cidade em que vivia, e o mercado do seu tio Fillip era um dos maiores e mais conhecidos pela população da cidade. O Bolichão do velho Fill, era como chamavam os mais íntimos - principalmente os velhotes, clientes a quase cinco décadas. Fillip não mantinha muitos empregados trabalhando consigo; eram apenas cinco, que se revezavam entre o caixa, açougue, organização dos produtos, assistência aos clientes, etc. O quinto empregado era o próprio Kevin, e sua tarefa era chegar lá as seis e trinta da manhã para verificar se estava tudo em ordem, e então preparar-se para abrir o estabelecimento as sete horas, junto de seu tio. Trabalhava o dia inteiro sexta e sábado, pois eram dias em que o mercado precisava de mais um funcionário para dar conta da clientela, e então domingo a tarde reunia-se com o restante do pessoal para fazer a faxina do local e a reposição dos produtos nas prateleiras, tudo sob a supervisão de Fillip, que continuava firme como um guerreiro, apesar dos quase setenta anos. Trabalhar justamente nos finais de semana podia não ser algo agradável para Kevin, mas pelo menos o tio era generoso na hora do pagamento. S$ 400,00 dólares mensais para trabalhar três vezes por semana? Era muito bom. Mas Kevin sabia que o tio o beneficiava. Ele era muito próximo de seu pai, e depois que Norman morreu, Fillip acabou se aproximando mais da família do falecido irmão. A mãe de Kevin, Lisa, era como uma irmã para ele, e o garoto... Fillip considerava como o filho que nunca teve.

Kevin chegou em casa, ergueu a porta da garagem e entrou com sua bicicleta. Havia comprado-a semana passada, quando recebeu o seu primeiro pagamento. Não havia saido barato, mas quando viu a bike na vitrine, precisou leva-la. Era um desses modelos novos com tudo que uma bicicleta foda precisa ter e, além disso, Kevin sempre teve um estranho tipo de ''paixão por bicicletas'', apesar de não coleciona-las(a mãe e o pai nunca deixaram); então assim que comprou a nova, anunciou a antiga em um site de vendas. Ao entrar, viu que o carro não estava na garagem. ''Que estranho a mãe ainda não ter chegado...'' pensou, e então escorou a amada bicicleta na parede. Parou e olhou ao redor por um instante, franzindo as sobrancelhas em desaprovação: a garagem estava uma tremenda bagunça. Ainda haviam algumas caixas de mudança amontoadas em meio a muito pó e outras porcarias. Mas é claro que ele não iria fazer nada a respeito ''Não hoje, pelo menos.'' pensou consigo mesmo,  então deu as costas e saiu, baixou a porta da garagem e a trancou. Ele estava faminto, exausto e perguntando-se porque seu tio não contratava ao menos mais um funcionário; não era barato, ele sabia, mas o mercado estava em ascensão e Fillip não era mais um garotão, como dizia ser. ''Pelo menos posso vadiar de segunda a quinta.'' pensou alto consigo mesmo. Pretendia voltar para a faculdade somente no próximo ano, após juntar uma boa grana.

Kevin observou a rua de sua casa, estava vazia. O Sol já estava baixo, com aquele tom alaranjado no horizonte e algumas casas estavam com as luzes de dentro e de fora acesas - incluindo as luzinhas de Natal - contrastando com o tom laranja e azulado do fim de tarde. Kevin suspirou, subiu os degraus da varanda e entrou em casa.

Ao entrar, acendeu a luz e, sem vontade alguma, apertou o interruptor que ligava as luzes de Natal da casa. Aquele clima natalino não o deixava muito a vontade. Aquela bobagem toda; Kevin nunca conseguiu se sentir parte disso. O motivo era que, em dezembro de 2009, seu pai havia morrido lutando contra as chamas de um incêndio de grande escala, ocorrido nas montanhas de Brook Hills. O corpo de bombeiros da cidade de Brook não estava conseguindo controlar as chamas e pediram socorro as cidades vizinhas. Richard Miller era bombeiro a mais de dez anos e, naquela semana, saiu as pressas de casa, prometendo retornar. Os noticiários locais mantinham a população atualizada e sua mãe estava sempre grudada no sofá acompanhando cada noticia. Quando tudo acabou, foram informadas as mortes de dois bombeiros e um civil. Kevin tinha treze anos naquela época, e a imagem dos companheiros de trabalho de seu pai chegando a sua casa e de sua mãe desesperada chorando, ainda não saíram ao todo de sua cabeça. Talvez jamais saiam. Seu pai morreu tentando salvar a vida do companheiro. Ele morreu como um herói, foi oque disseram. Dia 20 de dezembro faria seis anos da tragédia, e eles comemorariam o Natal com alguns amigos. O tio Fill viria, e parece que o tal de ''Alann com dois N's'' também estaria presente. Kevin ainda não o conhecia pessoalmente, mas a mãe parecia um pouco menos triste nos últimos dias, então talvez ele seja um cara legal.

Kevin abriu a mochila e tirou dela uma caixa de leite, um pote de achocolatado em pó e dois sanduiches prontos que havia trazido consigo do mercado do tio, e em seguida os colocou na mesa da cozinha. Ouviu um barulho distante, como algo caindo. - Mãe! - chamou, ninguém respondeu. ''Mas o carro não esta na garagem...'' Retirou a embalagem plástica de um dos sanduíches e o mordeu. De boca cheia e mastigando, saiu da cozinha, subiu as escadas e foi até o quarto de sua mãe. - Mãe? - chamou de novo, mas ao abrir a porta encontrou o cômodo vazio. A janela do quarto estava aberta e uma brisa entrava por ela. Contornou a cama e foi fecha-la, abaixando-se antes para juntar o porta retratos que havia caido da cômoda. Na foto estava ele, sua mãe, sua vó e o cachorro da vó, Cueca. Foi o próprio Kevin quem deu o nome. Sua mãe e sua vó até quiseram protestar, mas não teve jeito, esse era o nome perfeito. O cachorrinho era branco com manchas escuras, e uma dessas manchas contornava o quadril e se estendia até a metade das coxinhas, lembrando uma cuequinha box; o rabo ainda era todo branco, como se tivesse saido de um furo do tecido. Todos achavam a maior graça. Kevin colocou o porta retratos de volta no seu lugar e ergueu o pulso pra olhar o relógio; já passava das 8 e meia - Tu anda voltando tarde ultimamente hein mãe?... Só espero que esse novo namorado não seja igual o último.

Ao chegar em seu quarto, abriu o notebook e o ligou, mas sem nenhuma vontade de entrar na internet. Sentou-se na cama, ainda terminando de mastigar o ultimo pedaço do sanduíche. Pegou os fones e colocou um reggae pra tocar. Havia uns livros em cima do seu travesseiro, ele os colocou pra um lado e estirou-se de barriga para cima. Deu um longo bocejo e sua visão embaçou. Esfregou os olhos e virou o rosto em direção a janela: já anoitecera lá fora. Deu outro bocejo e seus olhos foram pesando cada vez mais enquanto observava o fraco, porém insistente refletir das luzes de Natal na janela de seu quarto. Adormeceu ao som de Redemption Song, de Bob Marley.


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Kevin acordou assustado e ergueu-se da cama depois de ter ouvido um grito - ou pensar ter ouvido um grito. Esfregou os olhos, com certeza havia sido só um sonho. Voltou a deitar e tirou o celular do bolso da calça. A musica havia automaticamente parado de tocar pra economizar bateria. Com os olhos lacrimejados de sono, olhou a hora e voltou a levantar-se, dessa vez realmente assustado. Eram quase seis horas da manhã! - Merda como foi que dormi tanto!? - Levantou da cama, iluminando o caminho com o celular, pegou sua toalha de banho, jogou-a no ombro e abriu a gaveta de cuecas. Estava muito escuro. Apertou o interruptor de luz, mas a luz não acendeu. ''Que merda, será que a lâmpada queimou?'' Saiu do quarto e tentou acender a luz do corredor, mas ela também não acendeu. - Droga, ótima hora pra faltar luz! - O celular apitou, a bateria estava fraca. ''Droga, essa não.'' Desceu, atravessou a despensa e foi até a porta que levava a garagem, apontando a luz do celular para os degraus da escada. Havia uma lanterna ali em algum lugar. Foi até as prateleiras procurar. Caixas, caixas, caixas, ventilador estragado, teias de aranha, caixas com entulhos... e a lanterna ao lado. - Beleza! - disse e voltou por onde veio. Foi até o banheiro escovar os dentes, lamentando por não conseguir enxergar-se no espelho e amaldiçoando os caras da companhia elétrica. Tomou o banho mais rápido da sua vida - com a água gelada mesmo - vestiu-se, arrumou o cabelo para trás e voltou até a sala, estranhando aquela escuridão toda. Tornou a olhar seu relógio, ele marcava 6:28, já deveria estar clareando lá fora. Foi até a porta, abriu-a e saiu na varanda. Uma brisa gelada o atingiu e ele encolheu os braços. Estava tudo muito escuro e, não havia som algum na rua, oque era ainda mais estranho, pois muita gente sai trabalhar a essa mesma hora. Dois postes piscavam uma luz morta na esquina. Kevin voltou para dentro de casa, fechou a porta e foi até o quarto de sua mãe, ficando surpreso ao ver que ela não havia dormido em casa - ele nem lembrou de perceber se o carro dela estava ou não na garagem. Pegou seu celular para ligar pra ela e ficou pensativo por um instante, quase desistindo, mas decidiu que ligaria. A chamada caiu na caixa postal e as chamadas seguintes terminaram da mesma forma. Já eram 6:46. Ele tentou evitar ao máximo, mas agora estava começando a ficar assustado.

Subiu de novo até seu quarto e vestiu uma jaqueta. Tentou ligar para sua mãe uma ultima vez, mas caiu na caixa postal novamente; isso já estava o deixando bastante preocupado. - Droga mãe, atende... - respirou fundo. - Tudo bem, ela esta bem e... - um grito fez ele se virar imediatamente. Pareceu vir da rua. Kevin deu um pulo até a janela. Uma pessoa cruzou correndo e caiu bem em frente a sua casa. Não dava para ver direito devido a escuridão, mas... parecia ser uma mulher. Kevin podia ouvi-la chorando e pedindo socorro. Estaria ferida ou coisa do tipo? Ele estava prestes a descer para oferecer ajuda, mas algo aconteceu: uma espécie de névoa negra, uma massa ainda mais escura que a própria escuridão noturna foi envolvendo a mulher aos poucos, enquanto ela se arrastava e gritava por socorro. A nuvem negra a cobriu por completo, e os gritos foram abafados, até que não pode se ouvir mais nada. Segundos depois o agressor desapareceu, misturando-se a escuridão, e deixando para trás o corpo imóvel da mulher. Kevin cambaleou para trás, tentando não acreditar no que viu. ''O-O que diabos foi aquilo!?'' Desceu correndo as escadas e observou pela pequena janela da porta. A moça estava caida no mesmo lugar e não havia sinal do agressor. ''Mas oque foi aquilo que aconteceu!? O que era aquela coisa!?'' Kevin estava com medo e não parava de pensar em sua mãe. Por que não atendia o celular?! Meu Deus, será que ela esta bem!?'' Abriu a porta e desceu a varanda, iluminando o caminho com a lanterna; o feixe de luz focando tudo que parecia mover-se, porém, nada realmente se movia. Quando ele chegou perto o suficiente do corpo caído, a luz da lanterna iluminou uma cena de horror: a moça estava extremamente pálida e magra, e em seu rosto caveiroso estava estampava uma expressão de dor e agonia inimagináveis. Seu abdômen e tórax estavam magros e contraídos, como se estivessem vazios, como se... alguma coisa tivesse sugado tudo por dentro...
Kevin colocou a mão na boca e se afastou, tentando não vomitar. Com a mão trêmula, pegou o celular pra ligar pra polícia, mas a bateria havia acabado. - Otimo, mais essa agora! - gritou com raiva, olhando para todos os lados ao dar-se conta de que o agressor poderia estar por perto. ''Seu idiota'', pensou consigo, a luz da lanterna seguindo a direção de seus olhos. O que era isto tudo!? O que estava acontecendo!? Ele estava em choque, a mulher estava morta e ele não sabia oque fazer; até que um barulho chamou sua atenção, fazendo ele se virar assustado. A luz da lanterna iluminou uma lata de lixo que rolava lentamente a calçada. Kevin sentiu-se observado. Ele voltou correndo para dentro de casa e trancou a porta, suor frio escorria-lhe da testa. No fim da rua, aqueles dois postes ainda piscavam fraco, lutando para se manterem acesos, até que ambos estouraram, deixando a rua em completa escuridão.