Kevin entrou na delegacia. O hall estava frio e silencioso, mas ao menos estava um pouco iluminado. Velas e sinalizadores foram espalhados pelos balcões e corredores - a maioria já apagada ou se extinguindo. Havia cheiro de sangue, mas ele não sabia de onde vinha. ''Acho que vem de todo lado...'' Havia uma escadaria central e velas iluminavam os degraus que levavam ao segundo andar do prédio. Kevin parou para observar um pouco, era a primeira vez que entrava em uma delegacia de polícia. O hall era largo e seguia em frente atrás da escadaria; parecia haver portas nas laterais e uma escada de emergência se destacava adiante, com adesivos fosforescentes. Kevin não sabia para onde ir, o hall era escuro e não oferecia segurança - e por falar em segurança, onde estão os policiais? O silêncio era tão grande que Kevin quase conseguia escutar as batidas do próprio coração.
Uma vela apagou-se e despencou de cima do balcão. Kevin avançou e seus pés chutaram um objeto metálico. Algo como uma moeda rolou pelo chão até parar ao lado da escadaria. Ele a seguiu com a lanterna e vários objetos brilhantes começaram a surgir refletindo a luz. - O que...? - Ele aproximou-se de um deles e o pegou: tratava-se de uma capsula vazia, e ao seu redor o chão todo estava repleto delas. Capsulas de diversos tamanhos e calibres. ''Meu Deus...'' subiu os degraus calmamente, apontando a luz para a sacada do segundo piso, tentando ver se havia alguém ou ''alguma coisa'' lá. Apoiou-se no corrimão e sua mão encontrou um líquido vermelho, um tanto pegajoso. ''Sangue...?'' Sentiu um arrepio, e ao chegar no ponto médio da escadaria, percebeu que haviam vários daqueles pequenos objetos luminosos ali também - era como se tivesse havido uma guerra dentro da delegacia. Kevin abaixou-se e pegou outra capsula vazia de algum armamento pesado. Olhou para trás, para baixo. Não havia notado quando entrou, mas dali de cima o hall parecia um campo de guerra, com papeis espalhados, capsulas e buracos de balas por tudo. Também era possível ver o sangue agora. ''Preciso dar o fora daqui imediatamente'' - pensou consigo, quando um ronco agudo surgiu as suas costas e o assustou, fazendo-o dar um passo em falso e rolar escada abaixo. Caido no chão, virou e viu aqueles três pontos vermelhos que se aproximavam. A lanterna havia escapado de sua mão durante a queda; ela não estava longe mas ele sabia que se tentasse levantar acabaria morto. ''Eu vou acabar morto de qualquer jeito!'' Pegou a faca que havia guardado na cintura e, com os pés e as mãos, começou a empurrar-se para trás, até que suas costas encontraram com o balcão onde estavam as velas. A criatura deu um ronco e começou a vir em sua direção. ''Droga, droga!'' Fechou os olhos, a morte era iminente... porém ela não aconteceu. A criatura estava parada e não se aproximava de Kevin. Furiosa, ela apenas andava de um lado ao outro, circundando a claridade... ''A luz, as velas, é claro!'' Kevin ergueu-se, os olhos cinzentos fixos na criatura que encontrava-se a um metro dele. Não era possível ver nada além de uma névoa escura flutuante, e de três pontos vermelhos. Mas fosse oque fosse, não estava voando, pois escutava-se o som de passos que arranhavam o chão quando ela se mexia. ''Que tipo de monstro é esse?'' Kevin contornou o balcão, segurando a faca com firmeza, mas sua pressa foi tamanha que ele acabou derrubando as velas que haviam em cima, conseguindo salvar apenas uma delas. ''Seu idiota!'' Ele a segurou com força, apontando-a na direção da criatura que agora não parecia incomodada - aquela luz não era suficiente para mante-la distante. A luz da lanterna brilhava próxima a escadaria e Kevin estava prestes a arriscar pega-la, quando escutou um estalo no piso e uma explosão de luz vermelha intensa que invadiu o hall da delegacia. Era um sinalizador! A criatura espremeu-se contra a parede, bem ao lado de Kevin que afastou-se dela rapidamente. Três homens fardados desceram as escadas alvejando a criatura com tiros de fuzil. Kevin abaixou-se, tapando os ouvidos com as mãos enquanto tentava observar a cena. A capa negra que a cobria começou a ser penetrada expondo um corpo humanoide curvado, magro e extremamente pálido, com algo em torno de 1,70m de altura. Seus braços longos, finos e ossudos tocavam o chão. Os dedos terminavam em garras negras compridas. Suas pernas eram igualmente magras e ossudas, terminando em pés com garras ligeiramente maiores que as das mãos. A cabeça era grande e oval; três pequenos olhos vermelhos ficavam acima do que parecia ser uma boca arredondada, com várias camadas de presas circulando seu interior, lembrando a boca de uma sanguessuga. ''Uma sanguessuga monstro...'' A pele pálida e quase transparente da criatura era toda porosa. Um dos policiais fez um gesto com a mão, e quando os tiros sessaram, a criatura estava caida sofrendo espasmos e sangrando um líquido negro; até que finalmente morreu e os olhos flamejantes apagaram. O policial que parecia estar no comando - um homem alto de meia idade - aproximou-se:
- Você esta bem garoto?
Sem conseguir falar, Kevin apenas fez um sinal com a cabeça. Se os policiais não tivessem chegado, ele provavelmente teria morrido.
- Qual o seu nome? Você esta sozinho?
- S- Sim senhor, obrigado pela ajuda. Meu nome é Kevin.
O policial estendeu a mão para ajuda-lo a levantar. Os outros dois continuavam afastados, um deles abaixado perto da criatura recém morta, analisando-a, enquanto o outro vasculhava a área a procura de outra criatura.
- Vocês sabem o que é isso tudo? Sabem oque são essas coisas?
- Negativo. A única coisa que sabemos é que são extremamente sensíveis a luz, e que podemos mata-las.
- A pergunta é: até quando poderemos nos defender? - O policial que estava abaixado interrompeu. - A luz por si só não as mata. Vejam só quantos tiros são necessários pra derrubar só uma dessas aberrações. Nós não temos a munição necessária para lidar com essa situação.
- E nem homens suficientes. - completou o outro.
- C-Como assim? Onde estão os outros policiais? - perguntou Kevin.
- Só há nós garoto - respondeu o capitão -, e o Richard que ficou lá em cima fazendo guarda com o pequeno grupo de sobreviventes civis. Também tem o Paul e o Mike, mas não sabemos a posição deles. A essa altura, é possível que já tenham sido...
- Não, eles vão voltar! - interrompeu o policial abaixado. - Eu recebi uma frequência do rádio do Paul a menos de meia hora. Ouvi tiros e... Droga eu sei que...
- Controle-se, Carlos! - interrompeu o capitão, apertando o braço do policial - Eu sei que ele é seu irmão, e também era meu amigo; mas você é um profissional, pelo amor de Deus, lembre-se disso! É uma ordem!
- Você estão estão brincando né? - perguntou Kevin.
- Escute garoto... Menezes irá leva-lo lá para cima.
- Espera! Senhor... - interrompeu Kevin.
- Capitão Joseph. - completou o homem.
- ... Capitão Joseph, sobre esses civis, por acaso entre eles há uma mulher de quarenta e poucos anos chamada Lisa!? Ela é minha mãe e eu não consegui entrar em contato com ela desde que isso tudo começou!
O capitão olhou para os outros dois.
- Carlos, Menezes, vocês sabem de alguma coisa?
Ambos fizeram sinal negativo.
- Espera, eu ouvi esse nome ser dito lá em cima. Talvez Richard possa ajudar. - disse Carlos.
- Pode ser a minha mãe! Por favor, me levem até lá!
- Tudo bem... Menezes, você acompanha o garoto até lá em cima.
- Mas capitão...
- Faça isso. Eu e o Carlos vamos na frente e você nos encontra em seguida. Vão logo, quanto mais tempo perdemos, menores as chances.
- Certo. - concordou um pouco exitante. - Eu alcanço vocês. Vem comigo, garoto!
Kevin e Menezess subiram as escadas, enquanto Joseph e Carlos seguiram pelo hall e entraram em uma porta dupla ao lado da escada de emergência. A criatura abatida continuava caída, dentro de uma poça de liquido negro brilhoso, contrastado pela luz vermelha continua produzida pelo sinalizador.
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