14 abril 2013

Dia Z PARTE 2


Já tinha anoitecido quando cheguei na casa dela. Sua rua estava solitária e completamente as escuras. Um caminhão dos bombeiros havia se acidentado com um dos postes e o derrubado contra outros carros estacionados. Eu não conseguia enxergar muita coisa. A penumbra era penetrada de segundo em segundo, apenas pelo piscar das sirenes que continuaram ligadas. O formato de corpos caídos podiam ser vistos próximos ao acidente. Alguns deles em baixo dos enormes pneus. Havia um cheiro forte de sangue, a rua Grove cheirava a morte. Acho que nunca tive tanto medo. O frio na minha barriga era grande e continuava aumentando a cada gemido que eu ouvia; gemidos distantes, mas que as vezes pareciam próximos demais. ''Deus por favor, que ela esteja viva.'' Levantei-me de trás da cerca e corri na direção da porta de entrada, mas derrapei os pés e voltei imediatamente assim que percebi sombras que se aproximavam. Pela maneira como se moviam, não havia dúvidas, eram mais deles. Voltei para onde eu estava abaixado e fiquei esperando, torcendo para que não tivessem me visto. Um grupo de seis deles apareceu, sem rumo. Alguns tiros foram disparados em algum lugar perto e seja lá quem o tenha feito, acabou deixando aquele grupo inquieto. Dois deles começaram a se mover na minha direção. ''Merda, preciso fazer alguma coisa!'' Peguei uma pedra, sem saber exatamente oque fazer com ela. Pensei em atira-la para distrai-los, mas não iria adiantar. Droga! Me virei e comecei a fazer a volta na casa, procurando outro meio de entrar. Aquelas janelas laterais eram muito altas e estavam fechadas, minha ultima alternativa seria a porta dos fundos. Chegando lá atrás, ouvi um gemido próximo; fiquei atento para tentar descobrir de onde vinha. Alguma coisa se arrastava na grama, mas estava escuro demais para ver oque era(eu sabia oque era). Tirando isso não havia mais movimento algum, então avancei - com os olhos atentos naquele zumbi que se arrastava. Subi os pequenos degraus e cheguei na porta dos fundos; os danos na maçaneta e dobradiças indicavam arrombamento. ''Mas que merda, alguém deve ter invadido!'' A casa estava timidamente iluminada pelas luzes de emergência. Entrei devagar e vi sangue no chão, que começava com respingos pequenos e em seguida virava um rastro. Dei uma espiada cuidadosa em todos os cômodos. Estavam vazios. Resolvi seguir aquele rastro, mas antes passei na cozinha e peguei a maior faca que encontrei. O sangue continuava por baixo da porta do quarto dela. ''Por favor...'' Fechei os olhos por um segundo, desejando não encontra-la morta. Segurei a faca com firmeza, em posição de ataque, e girei lentamente a maçaneta. Quando abri, vi um homem no chão, exatamente onde o rastro de sangue terminava; ele estava caído de barriga para cima e uma poça de sangue se formava em suas costas. Seu tórax apresentava ferimentos a bala. Chamei baixo pelo nome da minha amiga, mas não houve respostas, então virei-me para sair. Ao virar, dei de cara com um revolver apontado diretamente pra mim e do outro lado da arma estava ela, assustada. Ela baixou a arma e me abraçou com força. Abracei-a de volta e prometi que tudo ficaria bem agora.



Com a voz falha, ela contou que algumas pessoas tentaram invadir sua casa assim que o caos tomou conta. Ela então pegou o revolver que havia ganho de seu irmão e os ameaçou, precisando atirar em um deles quando este partiu furioso em sua direção. Suas mãos tremiam e sua íris azulada movia-se em todas as direções. Não falei nada, apenas segurei suas mãos e tentei acalma-la, mas de repente ela soltou um grito. O maldito começou a se arrastar. Levantei imediatamente e, como que por instinto, cravei a faca na lateral de sua cabeça. Pude sentir ela deslizando dentro do crânio. Aquilo durou apenas um segundo, e era a primeira vez que eu observava um deles assim tão de perto. Suas pupilas estavam completamente dilatadas, e sua íris era tão branca e rasa que mal podia ser percebida. Seus globos oculares sangravam, e veias e vasos sanguíneos estavam dilatados ao redor das pálpebras, contrastando com a pele pálida. Aquela também era a primeira vez que eu matava alguma coisa. Aquela visão pareceu durar apenas um segundo, mas tenho certeza de que jamais me esqueceria dela. Afastei-me do corpo, olhando pra faca ensanguentada, e depois pra minha amiga, que parecia tão chocada quanto eu. - Você esta bem? - perguntou ela, preocupada.

Olhei para ela sem responder. Eu não estava muito bem; precisava de um minuto pra respirar. Matar uma coisa dessas sabendo que ela havia sido humana a poucas horas atrás... Não é tão fácil quanto parece... Mas eu enfrentaria qualquer coisa para protege-la... - Eu estou bem. - respondi, finalmente.

Tiros chamaram nossa atenção, muitos tiros. Alguém estava combatendo os zumbis - a policia talvez. Saímos do quarto e ouvimos passos pela casa, passos lentos. Fiz um sinal com a mão pra ela ficar atrás de mim e ela me entregou seu revolver. Me escorei na parede e apontei a arma com firmeza, então seguimos pelo corredor. Quando chegamos na sala, encontramos um homem sentado, com a cabeça baixa - parecia ser médico, pela roupa que usava. Eu não sabia se atirava ou não, até que ele ergueu os olhos na nossa direção e pediu ajuda. Me aproximei com a arma apontada para ele; o cara estava ferido na mão e não estava nada bem. Ele caiu no sofá, gemendo de dor, pedindo água. Ignorei seu pedido e perguntei sobre a ferida na mão. Minha amiga trouxe um copo de água e entregou a ele. O homem a bebeu imediatamente e pareceu um pouco melhor. Ele então me olhou e disse havia sido mordido. Falei que ele não podia ficar ali conosco, caso contrário eu teria que mata-lo. Eu sabia oque acontecia quando uma pessoa era exposta a esse tipo de ferimento; mas ele implorou pra que não o fizesse. Minha amiga também interveio, pedindo para que eu não atirasse. Ela sentou ao lado dele e perguntou seu nome. Ele disse que se chamava William. Depois de uma breve conversa, William informou ser um cientista e nos contou que houve um acidente com um dos caminhões do laboratório. Amostras de um vírus que estava sendo estudado acabaram vazando e infectando pessoas e animais próximos. As pessoas infectadas adoeceram e poucas horas depois começaram a virar esses ''monstros'', disse ele. Ele estava envolvido no projeto e acabou sendo mordido quando tentava desesperadamente ir de um laboratório a outro. Perguntei oque havia no outro laboratório. Ele disse que várias vacinas anti-virais haviam sido desenvolvidas durante experimentos, e algumas delas se mostraram eficazes. Mas o organismo infectado tem um curto prazo para usa-la, pois, mesmo o vírus atingindo seu ápice apenas oito horas após a infecção, a vacina anti-viral só surte efeito no organismo caso seja aplicada em no máximo três horas. O laboratório para onde ele tentava ir continha várias amostras dessa vacina.

O doutor levantou-se com dificuldade, olhou para nós, e praticamente implorou para que o ajudássemos. Eu olhei pra minha amiga, ela não sabia oque fazer e estava esperando que eu tomasse alguma decisão. A princípio neguei, pois pensei na minha amiga. Eu não queria colocar ela em risco. Essa merda toda não era um maldito sonho, estava mesmo acontecendo. As ruas cheiravam a morte. Mas ela interveio e disse que precisávamos ajudar ele, que não podíamos simplesmente deixar ele morrer.

- Eu não acho que seja uma boa ideia. A gente devia devia se trancar aqui, esperar amanhecer e... - fui interrompido.
- Se não quiserem me ajudar, eu entendo, entendo mesmo. - disse ele, quase sem forças.
- Quanto tempo faz desde que você foi mordido? - perguntei a ele.
- Eu não sei ao certo, só sei que meu tempo está acabando. - respondeu, em meio a tossidas.

Voltei a olhar pra ela. Seus olhos demonstravam uma enorme preocupação, mesmo aquele cara sendo um desconhecido. Mesmo ele, de certa forma, sendo um dos responsáveis por toda aquela merda. Chequei o pente da arma e disse que iriamos ajuda-lo. A clinica não era longe, ficava a apenas dois quarteirões de onde a gente tava, em uma farmácia que, pelo jeito, servia apenas de fachada para outros tipos de serviços. Quem diria... acho que até já comprei alguma coisa lá. ''Muito bem, acho que podemos...'' Mais tiros surgiram la fora, em meio a gritos. Caminhei até a janela e espiei pela cortina oque estava acontecendo. Um grupo de pessoas estava dando conta dos zumbis na ruas. Eles estavam muito bem armados e pareciam se divertir com aquilo. Com certeza não podíamos confiar neles. Onde diabos estavam os policiais!? Minha amiga veio até mim e tocou meu ombro. Ela estava chorando, havia algo de errado com ela. Coloquei a mão em seu rosto, ele estava febril. ''Não, não...'' Peguei seu braço e vi que haviam vários arranhões mais ou menos na altura do cotovelo. William olhou-me assim que percebeu, e eu fiquei encarando-o fixamente, com tanta raiva que quase meti uma bala na cabeça dele ali mesmo. Aquilo tudo era culpa daquele desgraçado e das malditas pessoas com quem ele trabalhava! Mas esse não era o momento para perder a calma, pois agora precisávamos ir até aquele laboratório o mais rápido possível!

Saímos pela porta dos fundos. William tinha uma arma, disse que havia pego de um policial morto na rua. Aquilo ficou mal contado, mas tudo bem, não tínhamos escolha a não ser confiar no cara. Liderei a pequena caminhada até a clinica, tendo que carregar minha amiga no final do caminho, pois ela começou a piorar, e a tossir sangue. Como o vírus está agindo tão rápido nela? São apenas alguns arranhões! William disse que a infecção varia de pessoa para pessoa. Algumas levam até 24 horas para entrar em óbito. Desgraçado, apenas cale a boca. Soltei minha amiga um instante para matar um zumbi que estava próximo a entrada da farmácia. Usei a faca para evitar barulhos e então voltei para buscar ela. O doutor se aproximou, tirou um molho de chaves do bolso e abriu a porta. Entramos.

Era uma farmácia igual a todas as outras, com exceção do elevador escondido atrás de uma estante de livros em uma salinha(por que sempre atrás de uma estante de livros?). No painel haviam apenas dois andares inferiores, B1 e B2. Ele clicou no B2 e descemos. Durante a descida, fiz algumas perguntas e ele nos disse que a instalação era supervisionada por uma empresa maior, da qual ele não estava autorizado a falar. Era melhor não envolver civis comuns, disse ele. Porcaria, como se não estivéssemos envolvidos o suficiente já. Quando a porta do elevador abriu, nos deparamos com um enorme corredor metálico. Estava bem escuro e as luzes foram acendendo a medida em que avançamos. Alguns corpos - provavelmente de outros cientistas - acompanhavam a extensão do corredor. Estavam todos feridos a bala. Mas que merda aconteceu aqui? Perguntei a ele. William apenas me olhou, e fez um sinal negativo com a cabeça. Eu não estava gostando disso, o maldito estava escondendo alguma coisa. Olhei pra minha amiga em meus braços, ela estava desacordada e queimava de febre. Droga! O corredor terminou em uma porta dupla com símbolos virais. Olhei novamente pro cara mas ele não me encarou. Tinha alguma coisa muito estranha no seu olhar. William pediu-me para soltar minha amiga um instante, pois o mecanismo para abrir a porta necessitava de uma segunda pessoa. Escorei-a confortavelmente na parede e então fui até ele. Haviam duas alavancas que deveriam ser puxadas exatamente ao mesmo tempo, em uma contagem de três segundos. Falhamos na primeira tentativa, mas na segunda deu certo. Voltei a pegar minha amiga nos braços e entramos.

A sala era quadrada e cheia de máquinas esquisitas. Estava bem frio la dentro e havia mais dois corpos baleados, debruçados no piso próximo ao freezer. William não parecia abalado com aquilo. Ele foi até aquele freezer, passou seu cartão de identificação e o abriu. Haviam apenas duas seringas la dentro. Sentei minha amiga contra a parede e depois caminhei até o freezer. Puxei-o mas ele não abriu. Puxei-o de novo. Oque...? Olhei para o lado e notei que William estava guardando a vacina em uma bolsa; ele não havia a usado. William colocou a bolsa no ombro e apontou a arma para mim, ao mesmo tempo em que eu apontei a minha para ele. O maldito nos usou esse tempo todo! Desgraçado! Minha amiga acordou, viu oque estava acontecendo e tentou se levantar, mas estava fraca demais. Ele apenas observou-a, deu uma leve ajustada nos óculos e pediu para que eu largasse minha arma. Eu recusei e ele apontou para ela. Filho da puta! Ergui minhas mãos e pedi para que ele se acalmasse. Isso o deixou satisfeito e ele tornou a apontar a arma pra mim, aproximando-se devagar. Aproveitei que ele estava perto o suficiente e tentei entrar em luta corporal, mas o maldito me acertou com a coronha. Desabei no chão, tonto e com a cabeça sangrando.

- Desculpa filho, nada pessoal.

Era o fim, fechei meus olhos e esperei pelo impacto da bala, torcendo para que ele desse uma morte rápida pra minha amiga também. Quando estava prestes a disparar, William soltou um grande grito de dor e o tiro acabou pegando de raspão no meu braço. Os corpos que antes estavam caídos, imóveis, agora o atacavam, um deles mordendo vorazmente sua perna. Ele tentou atirar em mim de novo, mas eu rolei pra trás de uma máquina e ele errou. Os gritos continuavam. Mais um disparo foi dado. Contornei os aparelhos o mais rápido que pude e cheguei nas costas dele. Ele me viu e então apontou a arma pra minha amiga, mas eu pulei e joguei- o no chão. As duas armas voaram, deslizando pelo piso. Um dos zumbis havia parado de se mexer, mas o outro voltou a se arrastar até nós. William veio pra cima de mim, tentando me estrangular. Acertei-lhe um soco e chutei seu peito, atirando-o para o lado. O zumbi segurava minha canela, livrei-me e comecei a me arrastar para trás tentando chegar até uma das armas. Peguei uma e atirei na cabeça dele, matando-o. Respirei fundo, William continuava caído, tentando se arrastar, sua perna estava horrível. Me aproximei dele:

- Nada pessoal, seu desgraçado. - eu disse, e adorei falar aquilo. Em seguida meti uma bala na sua cabeça. Pobre bastardo, ele ainda segurava a bolsa com firmeza contra seu peito. Puxei o zíper da bolsa e oque tirei de dentro dela me desanimou. A seringa havia quebrado e vazado. Junto dela estava o cartão que William tinha usado para abrir o freezer. O nome Roger Marines estava escrito nele. Usei o cartão e peguei a ultima seringa. Minha amiga estava desacordada. Corri até ela e apliquei o anti vírus no seu pescoço, rezando para que não fosse tarde demais. Sentei e escorei sua cabeça na minha perna. Um tempo depois ela começou a apresentar sinais de melhora. Sua cor voltou ao normal, e sua febre baixou. Me levantei, fui até os outros freezers vasculhar um por um, mas estavam todos vazios. Puxei o ar devagar e soltei-o mais devagar ainda. Dei meia volta e procurei uma folha. Haviam algumas folhas de ofício espalhadas pelo chão. Encontrei uma caneta e comecei a escrever. Assim que terminei, peguei a arma do doutor que havia deslizado para baixo de um dos freezers, verifiquei se havia balas e então coloquei- a na mão da minha amiga, junto com a folha. Sai da sala, sentei no corredor e ergui minha calça na altura da canela. O maldito zumbi havia cravado suas unhas ali. Eu podia sentir o vírus me matando por dentro. Olhei pra calibre 38, chorando. Havia apenas mais uma bala no tambor. Que ironia, pensei. Nunca fui um tipo supersticioso, mas talvez fosse pra acontecer. Talvez fosse a merda do meu destino. Coloquei o cano na minha boca. Lágrimas escorriam sem parar. Fiquei assim durante um bom tempo, respirando e soltando o ar. Pensei na minha vida, nas coisas que fiz e que deixei de fazer; pensei na minha amiga, no quanto ela era bonita e no quanto eu gostava dela. Pensei em tudo que vivemos juntos e fixei uma imagem do sorriso dela na minha mente... uma ultima lágrima caiu, eu sorri, e então tudo desapareceu com um estouro.


''Jessica, quando você ler isso, eu já vou estar morto. Fui infectado e não quero me transformar em um deles. Não quero coloca-la em perigo, por isso decidi tirar minha própria vida.

Eu usei a ultima seringa em você. Acho que você sabe porque, sempre soube. Eu te amo Jessica e sinto muito por nunca ter lhe dito isso. Peço que faça um favor para mim agora. Sobreviva! Eu estarei sempre com você, lhe protegendo.''

Lucas.

Parte 1


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